SOPA DE LETRINHAS


Salve, irmãos!


Há tempos venho pensando em escrever este artigo, pois trata-se de um assunto que vem me incomodando desde que veio à tona um tempo atrás. Estou falando da famigerada REFORMA ORTOGRÁFICA.


Reformar pra quê? Eu gosto tanto da Língua Portuguesa, mesmo que alguns pormenores gramaticais não pareçam ter lá muita lógica... mas é um idioma bonito e gostoso de se escrever e falar... Como diria Manuel Bandeira "é o povo que fala gostoso o português do Brasil". Mesmo com erros, a mensagem é transmitida... Pra quê unificar? Cada país, mesmo compartilhando o idioma, tem as suas particularidades. Isso não acontece entre os estados do Brasil?!


Eu, de minha parte, pretendo permanecer utilizando as palavras como sempre as utilizei. Vou ignorar solenemente o tal acordo. Costumo brincar que a partir da implantação do mesmo, escolherei outro idioma para me comunicar. Talvez o inglês...


Brincadeiras à parte, o fato é que todos nós seremos obrigados a saber do que se trata esse acordo e o que é pior, memorizar suas regras, pois será triste ficar reprovado por isso em concursos públicos. No blog, eu escrevo como bem entendo (vocês aturam, não é?), mas a coisa muda de figura quando se trata de uma avaliação...


Para minha surpresa e felicidade, eu não sou a única vaquinha com mugido dissonante nesse presépio. Junto à minha, há vozes mais poderosas e bem preparadas para argumentar sobre os contras e a falta de prós nesse assunto espinhoso. Com a palavra o Prof. Ernani Pimentel, que trás a bagagem de nada menos que 40 anos dedicados ao estudo e ao ensino da Língua Portuguesa (ganhou do acordo por dez anos...). Ele divulgou hoje um manifesto onde questiona a necessidade e a eficácia do acordo. Fiz questão de transcrever aqui o tal manisfesto e recomendo aos meus 7 leitores do Boteco que façam uma visita ao site e assinem sua adesão ao movimento solicitando a revisão dessa “emenda pior que o soneto”, como ele diz.


O site é: www.acordarmelhor.com.br


Segue aí o manifesto:


ACORDAR MELHOR ENQUANTO HÁ TEMPO


março, 25


Prof. Ernani Pimentel


"Em nome dos milhões de brasileiros alijados das decisões que vão impactar diretamente o seu cotidiano; lastreado no retrospecto de 40 anos dedicados ao estudo e ao ensino da Língua Portuguesa; impelido pelo direito de participar e desejo de contribuir com o aprimoramento da matéria; preocupado com o prejuízo objetivo que vai recair sobre toda a sociedade e convencido de que é possível resgatar o tempo perdido, reparar as improvisações e abolir o caráter cosmético das mudanças em curso, torno público o presente manifesto. Mais que uma cartilha alternativa sobre como se poderia realizar, tecnicamente e racionalmente, a padronização ortográfica, o que segue é um elenco sucinto de ingredientes para a reflexão. E um convite à manifestação de todos os interessados no tema.


1. Do início dos trabalhos da Academia Brasileira de Letras e da Academia de Ciências de Lisboa (1980) à criação do acordo (1990) foram dez anos. A aprovação de Portugal só se deu em 2007. E do Brasil, em 2008. Porém, quase 30 anos de discussões lentas e fechadas, cujos poucos protagonistas ficaram de costas para a comunidade de estudiosos do assunto, como se ungidos por uma espécie de saber absoluto. Lenta e fechada, a reforma nasceu velha e capenga. Não se alimentou de massa crítica nem levou em conta mudanças tecnológicas profundas. Retringiu-se às idiossincrasias autorais, em vez de ousar em matéria de metodologia. Contentou-se com o mais ou menos e cedeu às soluções arbitrárias, em detrimento de um trabalho criterioso e completo. Parafraseando os latinos, “a montanha pariu um rato”.


2. Na verdade, a sociedade brasileira recebeu um prato feito. Mas não precisamos engoli-lo placidamente. Afinal, somos de longe o país com a grande maioria de falantes da Língua Portuguesa no mundo – mais de 180 milhões. Um autêntico continente a se comunicar, de norte a sul, no idioma de Camões e Guimarães. Uma economia considerável, no cenário internacional. Uma rede instalada de comunicação moderna, capaz de aproximar patrícios-irmãos separados por milhares de quilômetros e unidos pelo idioma comum.


3. Portugal nem estabeleceu data para iniciar a implantação do Acordo Ortográfico, que lá terá seis anos para ocorrer. Aqui, a contagem regressiva começou em primeiro de janeiro de 2009 – e são apenas quatro anos de uso facultativo da ‘velha’ e da ‘nova’ ortografia.


4. O tempo é pouco, mas suficiente para mobilizar. Suficiente para chamar atenção do próprio parlamento e do governo brasileiro, que talvez não tenham percebido aspectos perversos desse açodamento supérfluo, dessa pressa arrastada, desse jeito simplista de lidar com o tema.


5. Vamos despertar o interesse das Universidades! Comecemos pelas Federais, nos campi de todo o país, especialmente nos departamentos dedicados ao estudo da linguagem, das línguas e da Língua Portuguesa.


6. Criar fóruns funcionais, produtivos e pragmáticos, interativos em ambiente web, para revisar com ambição exeqüível (com trema ou sem ele…) o Acordo Ortográfico no seu todo. Fatorar. Limpar. Enxugar. Eliminar exceções. Fazer uma varredura em todo o léxico, de A a Z, levando em conta a etimologia de cada vocábulo. Criar softwares. Usar da estatística como ferramenta. Inventariar com amplitude e completude.


7. Levar em conta que o aprimoramento do EaD (Ensino a Distância) no Brasil é extraordinário, o que permite grande produtividade numa empreitada dessa natureza. Há informação comprovada de que uma hora de aprendizado na WEB equivale a seis horas de ensino presencial.


8. Com diretriz do Ministério da Educação, das Federais os fóruns irradiarão para as Universidades Estaduais e para toda a rede particular de ensino universitário. Criar fatos novos e descortinar evidências inquestionáveis de que a reforma, do jeito como foi regulamentada pelo Presidente Lula em 29 de setembro de 2008 não alcança o que se propõe a resolver. Pior que isso: de certo modo, promove o retrocesso. Caso típico da “emenda pior que o soneto”.


9. O custo da implantação do Acordo Ortográfico aprovado será exorbitante, considerando os benefícios pretendidos. A esta conta, deve-se projetar o tempo que cada usuário da Língua Portuguesa gastará para checar, via dicionários, o modo correto de escrever as palavras. Tempo de professores e alunos. Desconforto inútil. Seis por meia-dúzia – ou nem tanto… A reforma, com todo respeito ao esforço que certamente os autores despenderam para produzi-la, nasceu com problemas de concepção. Ou se tem a coragem de promover o seu renascimento, a sua re-concepção ou teremos de nos contentar com uma mera “buzina de avião” – extravagante, porém para nada serve.


10. Somos um imenso país rico, mas pobre – o paradoxo é conhecido e dispensa explicações. Sejamos um país rico, mas rico. Há que se pensar, no caso do Acordo Ortográfico, em aspectos relacionados à responsabilidade social. Não podemos brincar de rasgar dinheiro nem endossar miopias que, na prática, resultam em ‘criar dificuldades para vender facilidades’. A padronização ortográfica é apenas um pequeno pedaço do conhecimento completo da Língua Portuguesa. Temos de tomar a dianteira para fazer o que deve ser feito, racionalmente. Se não isso, que tudo permaneça como está. A Língua Inglesa, por exemplo, hegemônica no mundo, tem peculiaridades de acordo com o país em que é falada. E nem por isso governos e comunidades acadêmicas se ocupam com padronizações.


11. O momento é agora. A matéria encerra discussões ainda adormecidas, que precisam ser encerradas. Pouco se comentou sobre a população cega do Brasil, que pode estar próxima de um milhão de pessoas. As mudanças ortográficas implicam alteração de toda literatura escrita em Braille. E a terminologia científica, a exemplo dos jargões da medicina, química, física, biologia, botânica – entre outros tantos? A reforma, infelizmente de visão curta e desfocada, não podia ter tido, e não teve, a pretensão necessária de alcançar a universalidade do seu objeto de estudo e do seu objetivo.


12. Vontade política, clareza de propósitos e responsabilidade com as gerações do presente e do futuro. Isso é o mínimo que se espera e que se deve exigir dos nossos governantes no trato desta questão. Que não lhes falte discernimento, espírito público elevado e compromisso com a democracia, também no trato da nossa Língua Pátria."


Falou e disse, Prof. Ernani... Tô contigo e não abro...


Só para quebrar um pouco o caráter didático do post (isso aqui ainda é um boteco, oras...), coloco também o poema do Manuel Bandeira que eu citei lá em cima. Uma rodada de uísque, please...


Evocação do Recife


"A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros

Vinha da boca do povo na língua errada do povo

Língua certa do povo

Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil

Ao passo que nós

O que fazemos

É macaquear

A sintaxe lusíada

A vida com uma porção de coisas que eu não entendia bem

Terras que não sabia onde ficavam."


Manuel Bandeira

1 comentários:

Ganso 31 de março de 2009 às 21:56  

Apoiado irmão.

Eu falo Português de Portugal. Tu, do Brasil. E outros, de Angola, Cabo Verde, Moçambique, São Tomé e Principe e Guiné...

Assim é mais bonito. Variedade.

Imagina que tinhamos que voltar a "aprender" a escrever.

Óptimo, facto, etc...

A nossa lingua é linda. Cada pronuncia tem a sua beleza também.

Abraço,
Ganso (de Portugal) ;)

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