A ARANHA - PARTE II

(Leia aqui a primeira parte)

Tomado de um misto de curiosidade e fascínio, ele aproximou-se do aglomerado de pessoas. Perguntou a um rapaz que olhava fixamente o animal, como aquela aranha tinha aparecido ali. O rapaz explicou que durante a madrugada, segundo alguns moradores próximos, a aranha gigante simplesmente saiu do meio das folhagens, subiu no tronco de uma árvore e começou a tecer a gigantesca teia. O corpo de bombeiros já havia sido chamado, bem como a equipe de zoólogos e veterinários da saúde pública para documentar o fato e decidir o que fazer.

Aquela informação, de certo modo, foi perturbadora para ele. Por que iriam mexer com a pobre aranha que estava quieta em sua teia e aparentemente não causaria mal a ninguém? Está certo que uma aranha daquele porte é um fato pra lá de inusitado, mas não poderiam simplesmente fotografá-la e deixá-la em paz?

Provavelmente iriam capturar a aranha e dissecá-la em algum laboratório sombrio...

Naquele momento ele decidiu que seria o defensor daquele fantástico animal contra as barbaridades dos homens em nome da ciência. E foi com essa idéia na cabeça que, ao ouvir as primeiras sirenes de bombeiro ao longe, ele varou a multidão e atravessou a pequena cerca que separava a rua do bosque. A comoção foi geral. As pessoas gritavam para que ele saísse de lá, pois poderia ser atacado pela aranha. Alguns o chamavam de maluco, outros o reconheceram como o “cara das aranhas”. A gritaria das pessoas, assim como o som das sirenes, aumentava conforme ele ia avançando.

Num instante porém, ele percebeu que o barulho da mutidão parecia ficar cada vez mais longe, como se sua atenção estivesse sendo totalmente desviada para a aranha à sua frente que, assim que o viu pulando a cerca, veio rapidamente para a extremidade da teia, como se estivesse para capturar uma presa. Sem que ele percebesse, o animal havia chegado bem perto, a ponto de ele poder olhar fixamente seus olhos, da mesma forma que costumava olhar os olhos das outras aranhas que sempre encontrava ali. E como acontecia nas outras ocasiões, aqueles olhos, agora enormes, pareciam querer lhe dizer algo... Só que dessa vez ele era capaz de entender!

De alguma forma, a aranha conseguia se comunicar diretamente com a sua mente, sem fazer qualquer movimento, apenas fixando os olhos nos seus.

“Você parece ser um dos poucos capazes de nos entender...” foi a mensagem que chegou ao seu pensamento, que ele tinha certeza que vinha da aranha.

“Eu estou aqui somente para lhe mostrar que não somos simples animais irracionais. Vocês jamais serão capazes de compreender o mecanismo que diferencia uma espécie de outra, mas eu tenho o dever de te mostrar algo muito além do que qualquer ser humano jamais conheceu!”

Olhando fixamente para a aranha, ele percebeu quando ela levantou as ameaçadoras quelíceras em sua direção e outra mensagem chegou a sua mente: “Não se preocupe. Você não sentirá dor alguma. Talvez um pouco de frio.”

E para horror da multidão que assitia a tudo chocada, a gigantesca aranha tocou com as pontas das quelíceras o seu ombro esquerdo. Realmente ele não sentiu dor alguma, só um formigamento que começou no ombro e se irradiava para todo o corpo. Sentiu também como se estivesse sendo arrebatado no ar e percebeu que a aranha o havia envolvido em suas patas, levando-o para o centro da teia, e enrolava-o lentamente e cuidadosamente em um novelo.

continua...

A ARANHA

Aquela manhã foi diferente... Ele sempre acordava solitário, quieto, em profundo silêncio para não incomodar sua mulher. Lavava o rosto, voltava para o quarto, vestia sua roupa. Tudo mecanicamente. Olhou para a mulher, que ressonava na cama e continuou calçando os sapatos. Encostando a ponta do indicador nos lábios, endereçou-lhe um beijo e saiu do quarto. Ele a amava. Aquela era sua grande companheira ao longo da vida. Nos momentos mais difíceis, ela sempre esteve ao seu lado. Reservava-lhe um profundo respeito e admiração.

Antes de se dirigir a sala do pequeno apartamento e sair, entreabriu a porta do quarto do filho. O garoto dormia preguiçosamente entre lençóis em total desordem. Deixou os lábios revelarem um pequeno sorriso e recuou, imaginando os sonhos que se passavam na pequena mente infantil do garoto, ainda com seus seis anos de idade.

Absorto nesses pensamentos, abriu a porta da sala com cuidado e saiu. Eram seis horas da manhã. Desceu as escadas do antigo prédio e logo ganhou as movimentadas avenidas do centro da cidade.

Considerava-se um homem de sorte, pois detestava o transporte público, com seu desconforto e horários imprevisíveis, e como morava no centro, podia ir a pé para o trabalho, numa revigorante caminhada por bairros arborizados. Para quebrar a monotonia, costumava fazer caminhos diferentes ao longo da semana. Das três opções que tinha, sua preferida era a rua que passava bem próximo de um denso bosque de eucaliptos, em um local de onde podia ver quase toda a cidade. Ali, costumava parar alguns minutos para observar as aranhas, que faziam grandes teias entre as árvores. Ficava mesmo admirado com o tamanho que algumas das aranhas atingiam: quase 20 centímetros de diâmetro!

Chegava tão perto delas que podia olhar em seus olhos... aqueles oito sinistros olhos causavam-lhe um estranho fascínio. Não tinha medo de ser picado, pois parecia que entre ele e aqueles animais ocorria uma espécie de comunicação silenciosa. Um tipo de telepatia. Às vezes ele acreditava que as aranhas queriam lhe dizer algo.

Lógico que essa aproximação causava muita estranheza nas pessoas que costumavam caminhar por ali nesse horário. O fato de haver um homem, de sapato e paletó, embrenhado no mato rasteiro, tão próximo ao emaranhado de teias não era uma coisa tão comum. Alguns achavam que ele era maluco, outros, que era biólogo ou algum outro tipo de cientista. O fato é que as pessoas já o conheciam, assim como ele também já reconhecia cada uma delas, de ver passar. E foi por esse caminho, o do bosque de eucaliptos, que ele resolveu seguir naquela manhã, que como haviamos dito antes, foi diferente...

Ao começar a subir a rua que iria dar no bosque, notou que algumas daquelas pessoas que ele encontrava quase todos os dias passavam por ele apressadas e com uma expressão de pavor no rosto. Quando viu se aproximar, com passos rápidos e aparência tensa, uma senhora negra, que era uma das poucas que tinha o costume de lhe dar bom dia e que por isso considerava uma das mais simpáticas, resolveu indagar o porque daquele corre-corre logo de manhã cedo. Algum acidente? Talvez um assalto? Mas ao ouvir a pergunta, a mulher simplesmente olhou para ele com um olhar vidrado e aterrorizado e balbuciou uma única palavra: “a aranha”...

Sem entender nada do que estava acontecendo, ele passou a conjecturar: “será que alguma das aranhas do bosque havia picado alguém?” Pelo que ele sabia, uma picada daquela espécie de aranha não seria letal, a menos que fosse em uma criança pequena... mas o que mais o preocupou foi a idéia de que se acontecesse uma acidente desse tipo, provavelmente a população iria exigir que a saúde pública exterminasse as aranhas. Isso ele não podia permitir.

Pôs-se a caminhar também apressado, mas em sentido contrário ao das pessoas assustadas. Seguia rápido na direção do bosque, preocupado com suas aranhas. Ao ver de longe os primeiros eucaliptos, observou também uma multidão que se aglomerava na rua próxima. Ao chegar mais perto pode ver, entre as duas maiores árvores do bosque, uma imensa teia, com fios de dois centímetros de espessura, mais parecidos com cabos de aço e, bem no centro da teia, uma formidável aranha de aparência assustadora, com cerca de três metros de diâmetro, incluindo as pernas. Só o seu corpo era quase do tamanho de uma pessoa de estatura média. Sua parte frontal exibia ameaçadoras quelíceras vermelhas além de olhos negros que reluziam ao sol brando da manhã.

continua...

O PIOR DO BRASIL? SERÁ O BRASILEIRO?

Não sei por que, mas sempre estou lendo as notícias no site do Jornal O Globo. Sei que a maior parte delas é (mal) escrita por estagiários... Sei que o noticiário internacional é mera cópia do que eles lêem no site da BBC, sei que o Globo tem a tradição de ficar sempre do lado mais reacionário de qualquer questão (exceção feita aos blogs do Globo, que são a opinião de alguns respeitáveis jornalistas...). Resumindo, em termos de agilidade, conteúdo e tendência jornalística, o Globo é uma bosta... mas eu leio...

Acho que o que me induz a cometer esse atentado diário contra a minha inteligência é a perplexidade ao ler os “comentários dos leitores”, abaixo de cada notícia. Ali sim eu tenho, como sociólogo wannabe que sou, um retrato fiel de como pensa a classe média brasileira (no caso, aqueles que têm um computador com acesso à internet e tempo disponível para ficar o dia todo comentando notícias de um jornal idiota...). Confesso que sempre que leio, acabo me assustando bastante.

Eu não sei se as pessoas se fazem de escrotos só para bagunçar ou se, sob o anonimato de um pseudônimo na internet, elas liberam o seu verdadeiro eu (my inner self, como diria o Sepultura...). Já vi gente dizendo que tinha que jogar uma bomba em cada favela para acabar com os pobres, gente defendendo a volta do regime militar, dizendo que os judeus precisam ser eliminados, que o holocausto nazista é uma mentira, que o Collor foi um injustiçado, que devia voltar a escravidão e coisas do tipo...

Hoje mesmo, nos comentários de uma notícia sobre as fotos que fizeram de uma festinha na casa do Berlusconi teve gente comentando “Ta certo! O cara é milionário, roubou muita grana, é mafioso... tem mais é que fazer festa cheia de gostosa pelada. Se fosse eu fazia a mesma coisa!”

Será que tem gente tão imbecil assim? Na boa... é ou não é de assustar?

Outro dia não resisti e respondi ao comentário de um cara que falou que viveu nos EUA nos anos 60 e sente saudades do tempo em que os negros eram mantidos no seu devido lugar. Perguntei se era verdade que ele e os seus amigos da Klu Klux Klan costumavam brincar de troca-troca depois das reuniões onde planejavam o assassinato de negros... O cara falou que ia rastrear meu IP e matar toda a minha família. Até hoje não durmo direito...

Quando se analisa o comportamento dessas pessoas, chega-se à estarrecedora conclusão de que uma boa parte do povo brasileiro ainda carrega um ranço reacionário, com tendências nazi-fascistas, o que me deixa muito preocupado. Mostra também o quão hipócrita é essa sociedade, principalmente a própria classe média, que sempre está encabeçando campanhas de defesa dos direitos civis, liberdade de expressão, fim da violência... tudo de fachada. No fundo, sentem nojo do pobre, do preto, do favelado, acham que a polícia faz um favor quando promove massacres em favelas. Querem que o atual apartheid econômico e social que vigora no país se oficialize. Acham que todo favelado é bandido, que todo pobre é mal educado. Querem um governo com mãos de ferro e abominam qualquer menção à distribuição igualitária de renda.

Vejam só: O Globo, de tão ruim que é, acaba prestando um serviço para a sociedade, permitindo que esses lobos sob pele de cordeiros mostrem suas garras. A partir de coisas assim, temos uma pequena noção de com quem estamos lidando. “Vamos pedir piedade, Senhor, piedade, pra essa gente careta e covarde...”

Mercado Livre

"Quando o processo histórico se interrompe... quando a necessidade se associa ao horror e a liberdade ao tédio, a hora é boa para abrir um bar."
W. H. Auden