A ARANHA

Aquela manhã foi diferente... Ele sempre acordava solitário, quieto, em profundo silêncio para não incomodar sua mulher. Lavava o rosto, voltava para o quarto, vestia sua roupa. Tudo mecanicamente. Olhou para a mulher, que ressonava na cama e continuou calçando os sapatos. Encostando a ponta do indicador nos lábios, endereçou-lhe um beijo e saiu do quarto. Ele a amava. Aquela era sua grande companheira ao longo da vida. Nos momentos mais difíceis, ela sempre esteve ao seu lado. Reservava-lhe um profundo respeito e admiração.

Antes de se dirigir a sala do pequeno apartamento e sair, entreabriu a porta do quarto do filho. O garoto dormia preguiçosamente entre lençóis em total desordem. Deixou os lábios revelarem um pequeno sorriso e recuou, imaginando os sonhos que se passavam na pequena mente infantil do garoto, ainda com seus seis anos de idade.

Absorto nesses pensamentos, abriu a porta da sala com cuidado e saiu. Eram seis horas da manhã. Desceu as escadas do antigo prédio e logo ganhou as movimentadas avenidas do centro da cidade.

Considerava-se um homem de sorte, pois detestava o transporte público, com seu desconforto e horários imprevisíveis, e como morava no centro, podia ir a pé para o trabalho, numa revigorante caminhada por bairros arborizados. Para quebrar a monotonia, costumava fazer caminhos diferentes ao longo da semana. Das três opções que tinha, sua preferida era a rua que passava bem próximo de um denso bosque de eucaliptos, em um local de onde podia ver quase toda a cidade. Ali, costumava parar alguns minutos para observar as aranhas, que faziam grandes teias entre as árvores. Ficava mesmo admirado com o tamanho que algumas das aranhas atingiam: quase 20 centímetros de diâmetro!

Chegava tão perto delas que podia olhar em seus olhos... aqueles oito sinistros olhos causavam-lhe um estranho fascínio. Não tinha medo de ser picado, pois parecia que entre ele e aqueles animais ocorria uma espécie de comunicação silenciosa. Um tipo de telepatia. Às vezes ele acreditava que as aranhas queriam lhe dizer algo.

Lógico que essa aproximação causava muita estranheza nas pessoas que costumavam caminhar por ali nesse horário. O fato de haver um homem, de sapato e paletó, embrenhado no mato rasteiro, tão próximo ao emaranhado de teias não era uma coisa tão comum. Alguns achavam que ele era maluco, outros, que era biólogo ou algum outro tipo de cientista. O fato é que as pessoas já o conheciam, assim como ele também já reconhecia cada uma delas, de ver passar. E foi por esse caminho, o do bosque de eucaliptos, que ele resolveu seguir naquela manhã, que como haviamos dito antes, foi diferente...

Ao começar a subir a rua que iria dar no bosque, notou que algumas daquelas pessoas que ele encontrava quase todos os dias passavam por ele apressadas e com uma expressão de pavor no rosto. Quando viu se aproximar, com passos rápidos e aparência tensa, uma senhora negra, que era uma das poucas que tinha o costume de lhe dar bom dia e que por isso considerava uma das mais simpáticas, resolveu indagar o porque daquele corre-corre logo de manhã cedo. Algum acidente? Talvez um assalto? Mas ao ouvir a pergunta, a mulher simplesmente olhou para ele com um olhar vidrado e aterrorizado e balbuciou uma única palavra: “a aranha”...

Sem entender nada do que estava acontecendo, ele passou a conjecturar: “será que alguma das aranhas do bosque havia picado alguém?” Pelo que ele sabia, uma picada daquela espécie de aranha não seria letal, a menos que fosse em uma criança pequena... mas o que mais o preocupou foi a idéia de que se acontecesse uma acidente desse tipo, provavelmente a população iria exigir que a saúde pública exterminasse as aranhas. Isso ele não podia permitir.

Pôs-se a caminhar também apressado, mas em sentido contrário ao das pessoas assustadas. Seguia rápido na direção do bosque, preocupado com suas aranhas. Ao ver de longe os primeiros eucaliptos, observou também uma multidão que se aglomerava na rua próxima. Ao chegar mais perto pode ver, entre as duas maiores árvores do bosque, uma imensa teia, com fios de dois centímetros de espessura, mais parecidos com cabos de aço e, bem no centro da teia, uma formidável aranha de aparência assustadora, com cerca de três metros de diâmetro, incluindo as pernas. Só o seu corpo era quase do tamanho de uma pessoa de estatura média. Sua parte frontal exibia ameaçadoras quelíceras vermelhas além de olhos negros que reluziam ao sol brando da manhã.

continua...

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W. H. Auden