A ARANHA - PARTE III

(Leia aqui a primeira e a segunda parte)

Logo abaixo, a mutidão gritava desesperada, mas ele não ouvia mais do que sons abafados e enxergava cores difusas. As cores das roupas das pessoas misturavam-se com o brilho das luzes dos carros de bombeiro. Seu pensamento parecia embotado, mas ele não sentia medo. Sentia-se seguro naquele casulo como jamais havia se sentido em toda a sua vida. Junto com a sensação de segurança, veio também uma indescritível paz. Como se a partir daquele instante, ele não fizesse mais parte desse mundo.

O barulho da mutidão já havia desaparecido, ele encontrava-se agora totalmente fechado no casulo de teia. Percebeu então mais um pensamento invadir seu cérebro: “Abra os olhos e veja o que ninguém nunca viu!”

Ao abrir os olhos, em vez da escuridão do casulo, ele viu uma paisagem fantástica. Um campo que se estendia até onde sua vista alcançava e uma luz muito branca e ao mesmo tempo suave, que iluminava tudo a sua volta. Olhou para o céu, mas não viu nada que se parecesse com o céu conhecido por nós. Era uma explosão de tons e formas a se emaranharem, como um oceano colorido. Seus pés tocavam uma relva macia e úmida. O ar parecia mais denso, como se fosse possível, com um salto, flutuar por alguns instantes. Seus sentidos pareciam ampliados. Tudo era percebido por ele. Todos os sons, todas as cores (algumas jamais imaginadas por ninguém) e todos os aspectos daquele vibrante cenário eram captados por seu cérebro.

Veio então à sua mente, de novo, aquela estranha comunicação. Aquele pensamento suave dizia: “Aos humanos nunca foi dado conhecer o universo dos seres que por vocês são considerados inferiores. O fato é que estamos nesse planeta muitos milênios antes do mais antigo ancestral dos humanos. Por muito tempo esse foi o nosso lar, onde eramos senhores absolutos. A forma de inteligência que desenvolvemos é bem diversa da sua. As vibrações que captamos do ambiente a nossa volta são em outras freqüências, o que faz com que o mundo para nós seja bem diferente do que é para vocês. Nesse momento, a substância que foi injetada em sua corrente sangüínea faz com que você perceba o mundo como se fosse um de nós. É assim que enxerga todo o animal pertencente ao grupo que por vocês é chamado de filo arthropoda.”

Concentrando-se ao máximo, ele tentou então responder ao pensamento, enviar também uma mensagem, foi assim que ele conseguiu se fazer entender, dizendo: “Mas, por que vocês me escolheram para mostrar isso? O que vocês pretendem que eu faça?” A resposta veio imediata: “Minhas irmãs, observando seus olhos, perceberam que você tinha sensibilidade suficiente para entender nossa mensagem. Você não é o único, mas é o que estava mais próximo de nós. O que queremos de você é que leve um alerta aos seus irmãos humanos. Sua espécie vem alterando o equilíbrio físico do planeta há muito tempo. Agora essa alteração chegou a tal ponto que começa mesmo a interferir no mecanismo básico de funcionamento da Terra. Se algo não for feito imediatamente, todas as espécies desaparecerão para sempre e a Terra será um planeta morto.”

Com novo esforço de concentração, ele replicou: “Mas o que eu sozinho poderei fazer?” E foi respondido de pronto: “Você não estará sozinho. Outras como eu vão aparecer para se comunicar com outros como você. Basta ficar atento e logo você terá a colaboração de muitos.”

De súbito, porém, ele escutou um estampido e tudo ficou escuro novamente. Talvez ele tenha perdido a consciência por algum tempo, mas despertou assim que o sol quente tocou seu rosto. Abrindo os olhos, pôde observar dezenas de rostos atônitos. Ouviu também alguns comentários: “Está vivo!” “Não é possível!”

O casulo estava sendo cortado com uma espécie de serra circular dos bombeiros. Ele havia sido resgatado.

Tentando se desvencilhar dos paramédicos que o examinavam ele ergueu a cabeça e olhou na direção da teia da aranha, que se encontrava agora destruída. Nesse momento passou na sua frente um grupo de homens, carregando em uma rede o corpo inerte da aranha gigante. Ela havia sido morta pelos rifles da polícia, que foi chamada assim que ele foi enrolado no casulo.

Desesperado, ele reuniu todas as suas forças para um grito de dor: “O que foi que vocês fizeram?”

Foi levado então ao hospital e depois de ser examinado, constataram que ele estava em perfeita saúde, a não ser por duas pequeninas marcas no ombro esquerdo. Após um período de observação, ele foi liberado. Foi recebido no saguão do hospital por sua esposa e seu filho, que o abraçaram em prantos. Ele chorou também, talvez por compreender, agora perfeitamente, a extensão da ignorância humana.

Ao chegar ao apartamento, sua cabeça fervilhava. Tudo isso parecia fantástico demais para ser realidade. Terá sido um sonho? Resolveu ligar a TV para desviar um pouco seu pensamento. A música estridente do plantão jornalístico chamou a sua atenção e em seguida veio a voz da reporter: “Urgente! Exibiremos com exclusividade imagens da aranha gigante que se instalou em uma enorme teia feita entre o edifício U. N. Plaza Apartments e a Trump Word Tower, em Nova York, bem próximo ao edifíco sede das Nações Unidas, de onde foram feitas as imagens. Esse exemplar é ainda maior do que o que foi capturado esta manhã no Brasil...”

FIM

Under Son, 2009

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"Quando o processo histórico se interrompe... quando a necessidade se associa ao horror e a liberdade ao tédio, a hora é boa para abrir um bar."
W. H. Auden