ENGRANDECENDO O MEU EGO



Algumas pessoas têm sugerido postar minhas velhas letras de música e textos em geral aqui no Boteco. Achei a idéia legal, uma forma das pessoas conhecerem o que eu escrevia há dez, quinze anos atrás. Vou selecionar alguns textos, deixar de fora o que achar datado ou de qualidade duvidosa e colocar, de vez em quando, uma pérola do pensamento gansoniano para vocês aturarem. O uso para fins não comerciais (citando a fonte, é claro) está liberado, mas, por favor, não utilizem indevidamente pois está tudo registrado na Biblioteca Nacional (tá pensando o quê? Não é pouca m... não!). Então segue o primeiro:


UM SAMBA

Eu vejo minha vida como um samba
E é preciso ter ginga
Pois a vida é corda bamba
Corda bamba que a gente
Precisa atravessar
Ou corda bamba da viola
Que eu tento afinar
Por isso preciso ser forte
Saber qual é o momento
Um bom malandro não espera a sorte
Confia mais no talento
E a minha vida é um samba triste
Seja como for
Eu sempre encontro mais espinho
Do que flor
Mas no samba da vida
Alegria e tristeza vêm sob medida
Tristeza pelo que não se alcança
E alegria porque há esperança
E o meu samba com compassos
Cada vez mais sincopados
Vou levando no suíngue
E é isso que me distingue
Mesmo triste o samba segue
Triste é o samba, eu sou alegre!
Pois sei que a tal “esperança
Dança
Na corda bamba de sombrinha
E em cada passo dessa linha
Pode se machucar.
Azar!”*

*Citação de João Bosco e Aldir Blanc em “O Bêbado e o Equlibrista”.

Esse poema foi escrito por volta de 2003, nos tempos do GUSA, e transformado em um samba de raíz, com direito a violão de 7 cordas e tudo, pelos grandes amigos e músicos Borginho e Felipe Caetano, meus companheiros naquela banda. A idéia partiu depois de ouvir "O Bêbado e o Equilibrista" com a Elis Regina e imaginá-la sendo cantada pelo Paulinho da Viola (vai entender...)

Aguardo os comentários...

Até a próxima.

MUNDO BIZARRO


Quem é da minha geração (trinta e poucos anos) lembra muito bem dos desenhos do Super Man e dos Super Amigos que passavam na TV entre os outros saturday morning classics (ô saudade...)

Entre os inimigos dos nossos heróis nessas séries havia o “Super Man Bizarro”. Era uma espécie de Super Man ao contrário, ou seja, em vez de inteligente, era imbecil, em vez de bom, era mau-caráter, etc... Ele era assim porque vinha de uma dimensão paralela onde tudo era ao contrário, conhecida como “Mundo Bizarro”. Pois é amigos de boteco... agora, algumas décadas depois, descobri que o Mundo Bizarro existe. Nós vivemos nele.

Tenho o “péssimo” hábito de questionar tudo e todos (principalmente a mim mesmo) e na última semana saí a perguntar nos setores pertinentes da administração pública quais seríam os eventos para o dia 20 de novembro, dia nacional da consciência negra, data que me desperta particular interesse, já que sou do Conselho Municipal de Defesa da Igualdade Racial. Até o dia 19 ainda não tinha conseguido nem uma resposta da Secretaria de Cultura e a frustração foi total quando nesse mesmo dia, à noitinha, uma coordenadora do Memorial Zumbi informou que não haveria qualquer programação oficial para esse dia. Pensei: “Puta merda! Uma cidade que tem um memorial em homenagem ao Zumbi dos Palmares (que aliás está abandonado e precisando de reforma) deveria fazer, no aniversário de morte desse personagem, uma celebração histórica, entre os principais eventos do calendário cultural da cidade!” Cheguei à conclusão de que essa oligarquia que se estabeleceu no poder utiliza o requinte de minimizar e desprezar qualquer data que represente lutas e conquistas do povão (vide o 9 de novembro...).

Outro fato que me chamou a atenção foi o comportamento da população da cidade (não posso falar por toda região, pois nesses dias permaneci em V.R.) diante do desastre ecológico que atingiu o Rio Paraíba do Sul na útima terça-feira. Só há uma classificação: bizarro!

Tirando as pessoas que estiveram na margem do rio e se indignaram com a mortandade de peixes e outros animais, algumas protestando muito oportunamente contra o absurdo, a grande maioria permaneceu impassível. Alguns nem tomaram conhecimento... A maioria ficou satisfeita com a multa aplicada à empresa responsável (que diga-se de passagem, jamais será paga...) e acha que o problema está resolvido. Gente... naquele dia nós corremos o risco de contaminação por um produto que segundo o Ministério da Agricultura é classificado toxicologicamente como altamente tóxico (Classe I), classificação ambiental como produto altamente perigoso, além de inflamável e corrosivo. Por pouco nós e nosso filhos não acompanhamos os pobres peixes na triste procissão de morte e dor em que se transformou o Paraíba, pois a empresa demorou a informar sobre o acidente e muitas estações podem ter captado água contaminada... Bizarro!!!

A bizarrisse desse povo está na capacidade de ser vaquinha-de-presépio, de aceitar tudo de cabeça baixa, ruminando os problemas pessoais como se fossem os mais importantes do mundo.

“Falou, linguarudo! O que o povão poderia fazer que as autoridades não fizeram?” Alguém com certeza vai me perguntar... e eu respondo: cobrar, pressionar, exigir, mostrar que está atento, que está de olho! E não falo em exigir punição para os responsáveis, é exigir que sejamos efetivamente protegidos de acidentes como esses. Exigir que a legislação ambiental seja reformulada e devidamente cumprida. Ligar ou mandar e-mail para o seu vereador, deputado estadual, federal, prefeito e o escambau, dizendo que está acompanhando e que qualquer vacilo será devidamente cobrado na próxima eleição. Precisamos trabalhar a opinião pública para que essas empresas irresponsáveis saibam que é um péssimo negócio prejudicar o meio ambiente. Precisamos lutar para deixar um planeta decente para nossos descendentes.

Mas infelizmente, se não mudarmos nossas atitudes, o que deixaremos é um “planeta bizarro”, onde cada pessoa é avaliada pelo que tem e não pelo que é. Um “mundo dos espertos” onde manda quem pode, obedece quem não tem opção... Onde o toma-lá-dá-cá está na ordem do dia e formam-se os pequenos grupos que levam vantagem em tudo, em detrimento da maioria.

Não sou socialista, mas acabo parafraseando Carl Marx: “Pessoas de bom senso de todo o mundo, uni-vos.” Vamos começar nossa batalha contra o “mundo bizarro” e por um mundo de paz e justiça.

E tenho dito!


Até a próxima...

ZUMBI DOS PALMARES

Angola, gongô, benguela

Monjolo, capinda, nina
Quiloa, rebolo
Aqui onde estão os homens
Há um grande leilão
Dizem que nele há
Uma princesa à venda
Que veio junto com seus súditos
Acorrentados num carro de boi
Eu quero ver
Eu quero ver
Eu quero ver
Angola, gongô, benguela
Monjôlo, capinda, nina
Quiloa, rebolo
Aqui onde estão os homens
Dum lado cana de açúcar
Do outro lado o cafezal
Ao centro senhores sentados
Vendo a colheita do algodão branco
Sendo colhido por mãos negras
Eu quero ver
Eu quero ver
Eu quero ver
Quando Zumbi chegar
O que vai acontecer
Zumbi é senhor das guerras
É senhor das demandas
Quando Zumbi chega,
Zumbi
é quem manda.
(Jorge Ben, A Tábua de Esmeraldas, 1972)

SALVE 20 DE NOVEMBRO - DIA NACIONAL DA CONSCIÊNCIA NEGRA!

SOBRE SENHORES & ESCRAVOS



Partindo da definição da palavra “escravo” do dicionário, temos:

es.cra.vo adj. e s.m. 1. Que ou aquele que está sujeito a um senhor, como propriedade dele. 2. Que ou aquele que está inteiramente sujeito a outrem, ou a alguma coisa.

Dicionário Aurélio, 4ª Edição, 2003.

Analisando o significado literal da palavra, fica clara a idéia de que a condição de escravidão pressupõe a existência de um escravizador, uma força que subjugue o indivíduo a ponto de não lhe restar opção, a não ser, submeter-se à sua vontade.

Sociedades em que a escravidão era a base de sustentação da classe mais privilegiada são quase regra geral na história da humanidade em todas as épocas e em todos os continentes, sendo que nas sociedades mais primitivas, os escravos eram em sua maior parte, prisioneiros de guerra. Foram usados ainda argumentos de diversas ordens para justificar a escravidão, como origem étnica, diferença cultural, casta, etc.

Na Europa, no início da Idade Média, a economia feudal modificou as relações entre servos e senhores para um tipo de “escravidão não-declarada”, onde o servo, apesar de ter certa autonomia, tinha total dependência para com o senhor feudal, a quem devia a maior parte da sua produção por utilizar-se da terra, tendo para sustento de sua família uma porcentagem desprezível, o que explica as condições de miséria extrema dos camponeses medievais (qualquer semelhança com o mundo de hoje não é mera coincidência).

A escravidão propriamente dita surgiu de novo nos países "civilizados" com a expansão européia, no fim do século XV, quando teve início o período das grandes navegações e descobertas. O Brasil foi o último país “civilizado” a abolir a escravidão oficialmente, o que ocorreu em 1888.

No entanto, a escravidão não foi abolida totalmente. Apenas criou-se uma nova modalidade de escravidão, com uma face mais humanista e ao mesmo tempo, mais cruel e tão criminosa quanto a outra, além de mais universal, uma vez que não faz distinção de raça, cor, etnia, casta ou cultura. Estamos nos referindo à sociedade capitalista.

À partir da expansão do mercantilismo mundo afora, surgiu a necessidade de produção em massa dos bens mais procurados e valorizados, principalmente nas grandes metrópoles. A produção em massa criou a necessidade de mão-de-obra, que, de preferência, se ocupasse exclusivamente desse trabalho, recebendo em troca um pagamento que, teoricamente, fosse garantir a sua sobrevivência, bem como a de sua família.

Até aí, a decisão de um camponês de abandonar sua terra e se tornar empregado de um dos grandes latifúndios rurais ou tentar a vida nas cidades, onde poderia trabalhar no comércio, na prestação de serviços ou na manufatura, cabia somente a ele próprio. No campo, em sua própria terra, ele tinha a liberdade de decidir o que plantar e o sistema de trabalho para sua produção, mas tinha também o risco de eventualmente, produzir aquém do necessário para a subsistência. Nas cidades e nos latifúndios tinha o conforto de um salário garantido. Fosse uma troca justa, o trabalho assalariado até seria uma boa saída para quem quisesse fugir dos rigores e incertezas da vida de camponês. Infelizmente, isso nunca foi verdade. Nas grandes propriedades rurais ou nas cidades, o ex-camponês tinha que se submeter à vontade das poderosas elites agrária, mercantil e posteriormente, a dos grandes industriais. Isso representava, regra geral, uma jornada de trabalho exaustiva, de até dez horas diárias (inclusive para mulheres e crianças) e uma remuneração muito abaixo do necessário para uma vida digna. Essa situação foi um pouco amenizada com uma série de conquistas de direitos trabalhistas ao longo dos séculos XIX e XX. Direitos esses que agora são postos em cheque pelo sistema de globalização dos mercados mundiais, pois segundo seus articuladores, a produção moderna, por ser mais ágil, exige uma legislação trabalhista mais flexível.

O sistema econômico neoliberal, que tem como base a economia de mercado e a livre iniciativa, ou seja, a redução do papel do Estado e da legislação nas questões econômicas, praticamente dita as regras das relações trabalhistas em nossa sociedade. Seus especialistas e teóricos justificam dizendo que é “o mercado de trabalho”, sem explicar que cada tendência desse mercado é matematicamente planejada pelos magos da economia mundial. Há muito menos fatores naturais nisso do que se alega.

Analisando as condições atuais de vida da parcela mais carente de nossa população, que representa 85,45% dos brasileiros, sendo que 27,15% estão entre aqueles que apresentam “muita dificuldade para chegar ao fim do mês com o rendimento monetário familiar”, enquanto apenas 14,54% estão entre os que têm “alguma facilidade”, com 0,72% representando os mais ricos (fonte: IBGE - http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/orcfam/default.asp?z=t&o=19&i=P), notamos que o abismo social entre as classes é assustador e materializa-se sob a forma dos mais diversos problemas enfrentados por nossa sociedade, entre eles, déficit habitacional, desemprego, mortalidade infantil, altas taxas de violência, populações marginalizadas, etc.

Quase todos os que justificam esses problemas como sendo culpa das diferenças sociais nem sabem do que estão falando, mas têm razão. É preciso portanto compreender os mecanismos sutis utilizados para perpetuar esses contrastes sociais e fazer com que pareçam fatos “naturais”.

Até que ponto nós, cidadãos brasileiros, somos escravizados?

Voltando à definição de escravo, o dicionário coloca também: “que ou aquele que está inteiramente sujeito a outrem, ou a alguma coisa.” Podemos dizer, então, que somos escravos porque estamos todos sujeitos a alguma coisa. Quer queira, quer não, todos estão de alguma forma sujeitos ao sistema econômico, inconscientemente obedecendo suas regras.

Quando consumidores, estamos sujeitos à estimulação artificial e psicológica das necessidades de consumo. Campanhas publicitárias, direcionadas às parcelas específicas da população, chegam aos limites da coerção. Afinal, a produção em massa visa o consumo em massa. Quando trabalhadores, estamos sujeitos à flexibilização da legislação trabalhista, que sempre tem como objetivo a revogação de garantias e vantagens do trabalhador em benefício dos grandes capitalistas, que aliás, são os maiores financiadores das campanhas políticas. Ou seja, o cidadão comum é utilizado como massa de manobra em quase todas as esferas de sua vida social: quando consome de acordo com os interesses do grande capital; quando elege, influenciado por campanhas milionárias, políticos que vão na verdade, defender os interesses do grande capital; e ainda quando busca a sobrevivência através do seu trabalho, já que a legislação trabalhista, proposta e aprovada por esses mesmos políticos, tem como base os interesses do grande capital.

Enfim, acaba ficando fácil entender porque o abismo social é interessante para quem está no topo, pois o que seria dos senhores sem seus escravos?


Ps: Este texto eu escrevi em Junho de 2007, saiu publicado no Coletivo Sabotagem. Mexendo nos meus alfarrábios o encontrei e achei interessante compartilhar com vocês. É um belo papo de boteco...

CHAPTER 9


Olá, companheiros... Estamos aqui para mais um post do Boteco!

Antes do assunto principal eu queria apenas dar um toque: nosso blog agora tem rss. É só dar uma olhada aí ao lado e lá estão os botões. É só você assinar as postagens ou os comentários (de preferência, os dois) e quando tiver alguma coisa nova por aqui, a postagem vai até você... uma mão na roda, não é?

Pois bem... vamos ao que interessa: Segue aí mais uma análise (ou crítica, ou resenha, como queiram...) de coisas que eu gosto e que recomendo aos freqüentadores do Boteco.
A vítima da vez é o Ed Motta e seu mais recente trabalho "Chapter 9".

Cheguei até este disco pelo Trama Virtual, pois ele está disponibilizado lá para download gratuito (não só o álbum, mas também as letras, ficha técnica, toda a arte do CD...), assim como outros discos de artistas que já sacaram que essa onda vale a pena...

Esse material já está comigo há dois meses. Esse foi o tempo necessário para que eu o digerisse a contento para poder comentar aqui.

Não conheço os trabalhos anteriores dessa fase mais madura do Ed Motta, mas o que ouvi no "Chapter 9" me agradou muito. Principalmente levando-se em conta que o E.M. cantou e tocou todos os instrumentos em todas as faixas, fez todos os arranjos e produziu o disco... Ufa!!!

É um disco pop, com pitadas que vão do soul ao rock, passando pelo reggae. Todas as músicas muito bem amarradas, arranjos precisos (principalmente os órgãos e pianos, dezenas deles...), a produção deixou o disco com uma sonoridade crua, que me lembra os anos 70. Gostaria de ouvir esse álbum em vinil...

O velho Ed, alías, está mandando muito bem em todos os instrumentos, com levadas muito criativas de baixo e bateria, guitarras bem sacadas, teclados criando o clima certo e, sua especialidade, belíssimo trabalho de voz.

Todas as composições são em inglês, as letras foram compostas por um tal de Robert Gallagher, com excessão de "The Man From The Oldest Building", composta por Cláudio Botelho.

O Boteco do Ganso recomenda. É baixar e deixar rolar...

Sempre respeitei muito o Ed Motta (apesar de achá-lo meio pretensioso no início) pela sua sacada de soul music em português que tomou de assalto nos anos 80 (acho) e era bem diferente do soul brasileiro dos anos 70. Agora ele está mostrando o seu amadurecimento natural como artista veterano e nos presenteou com esse ótimo trabalho.

E você? Está esperando o que para clicar no link e baixar o disco? Lembre-se que os álbuns ficam disponíveis por tempo determinado... vaí lá.

Alías, no último post eu deixei o link para o "Danç-Eh-Sá" do Tom Zé, mas logo depois vi que o disco não está mais disponível... I'm sorry! Pra não ficar mal com vocês, vou subir ele lá para o esnips e deixo o link aqui, falou? Aguardem.

Abraços e até a próxima.

Mercado Livre

"Quando o processo histórico se interrompe... quando a necessidade se associa ao horror e a liberdade ao tédio, a hora é boa para abrir um bar."
W. H. Auden