GUSA


Na primeira foto a galera do GUSA hard at work nos estúdios BPM. Da esquerda para a direita, Borginho, Thiago Barril, Frankão, Daniel, Ike Castilho (dando uma força), Felipe Caetano, esse blogueiro, e nosso produtor, o grande Matheus Pinguim. Na segunda foto, Caetano, Frankão, Fred e Barril descansam entre uma sessão e outra de gravação.

Olá amigos! Esse final de ano tá meio correria, mas eu sempre tento arrumar um tempo para escrever aqui. Às vezes, pintam situações em que fica quase obrigatório um comentário no Boteco. E na maior parte dessas vezes, vocês são obrigados a aturar meus desabafos... Mas dessa vez não! Vim falar de coisas legais do passado e do presente.
No último dia 16/12, às 19 horas, o Centro Cultural da Fundação CSN ofereceu uma programação ímpar: tivemos a oportunidade de assistir uma sequência de curtas, disponibilizados pela ONG Fancine, aqui de Volta Redonda, que tinham como principal temática a Música Popular Brasileira, partindo da visão da música popular de um colecionador de discos antigos, passando por um fabricante artesanal de rústicas violas caipiras e o movimento punk na São Paulo dos anos 80 até o curta "O Mundo é Uma Cabeça", que fala sobre a trajetória do Chico Science. Este último filme em especial, tinha a temática totalmente ligada ao Espaço Cultural Francisco de Assis França, já que o Science é o patrono e principal inspiração para o espaço cultural. Por isso a coordenação do ECFA havia sido convidada para falar um pouco dessa influência e ainda trazer o Grupo de Estudos de Percussão da ONG para apresentar alguns ritmos característicos da Cultura Nordestina. Mais ou menos umas 40 pessoas estiveram presentes. Logo após esse último vídeo, e ainda com o público sob o impacto do mesmo, os percussionistas do ECFA mostraram a riqueza de ritmos como o Maracatu Rural, Maracatu de Baque Virado, Coco, etc.
Após essa breve performance, foi aberto espaço para um debate, conduzido pelo Frankão, uma das cabeças pensantes do ECFA, onde se falou da importância do Movimento Mangue Bit para a música brasileira e a influência do Chico Science sobre a rapaziada que acabou fundando o ECFA.
Quando o Frankão começou a falar sobre o GUSA, ele me chamou para explicar sobre a música "Coletivo Leucopenia", composição do Borginho, com alguns pitacos meus, que trata de um tema meio tabu aqui na cidade: as pessoas que ficam leucopênicas sem nunca terem trabalhado diretamente com o benzeno, graças à poluição do ar e da água (eu sou uma delas). O benzeno é um dos principais elementos do chamado "gás de coqueria", liberado constantemente na CSN.
Nesse dia, comecei a lembrar de tudo que vivemos enquanto tocávamos com o GUSA. Foram bons momentos que acrescentaram muita experiência, não só em nossas carreiras de artistas, mas também em nossa formação pessoal. Tive a oportunidade de tocar pela primeira vez em São Paulo (teatro municipal de Diadema) e de conhecer muita gente legal. Valeu, e muito. Lembrei também que eu tinha guardado em algum lugar um CD com a faixa interativa que fez parte de nossa primeira gravação, o "Sucateado". Esse CD, com três músicas gravadas em setembro de 2001, nos Estúdios BPM, em Copacabana, com a produção do amigo Matheus Pinguim (do qual já falei aqui), vinha em uma capinha de papel reciclado, feita artesanalmente. Fez muito sucesso na época.
Após o evento, algumas pessoas vieram me perguntar sobre o GUSA, onde poderiam encontram informação sobre a banda, etc., por isso, e para que meus amigos do boteco possam conhecer esse trabalho tão importante para mim, disponibilizei a faixa interativa na internet (clique aqui para baixá-la). É um arquivo em flash, com as três músicas, letras, fotos, imagens das capinhas artesanais e muita informação sobre a banda. Enjoy (e por favor, comentem).

PS. Aproveito o ensejo para desejar a todos que acompanham esse blog um final de ano feliz e tranqüilo, e que no Natal, possamos refletir e lembrar às nossas crianças, apesar de todo o apelo capitalista que a data tem hoje em dia, que Natal é muito mais que presentes. É quando comemoramos a vinda para o nosso planeta do espírito mais evoluído que já passou por aqui e que ainda hoje nos conduz deixando uma mensagem de amor, justiça e esperança que, infelizmente, até os nossos dias ainda não foi totalmente compreendida.

Um abraço a todos e até 2010!

Anderson Ganso.

"FLANAR" EM VOLTA REDONDA

Não estou aqui reclamando da vida. Isso não é comigo. Aliás, na medida do possível, driblando um revés aqui, outro ali, minha vida até que é bem tranqüila... Mas que às vezes sinto falta de velhos costumes, ah! Isso é verdade...
Um exemplo de costume que me faz falta é o de “flanar”. Há algum tempo atrás, depois da leitura e da música, flanar era o meu passatempo preferido. Não perdia uma oportunidade e quando não as tinha, eu as criava. Qualquer hora do dia e da noite era um bom momento para flanar. Flanava de dia, à noite, de madrugada, de manhã bem cedo... Cheguei até a adaptar um velho ditado. Gostava de dizer que “Deus protege as crianças, os bêbados e os flaneurs.” Claro! Porque só pode ser obra do Divino o fato de eu nunca ter sido assaltado ou agredido nas tantas vezes em que flanava, por exemplo, às duas horas da manhã de um sábado, em plena Amaral Peixoto, observando jovens drogados e travestis bêbadas curtindo a “liberdade” que só a madrugada concede aos cidadãos urbanos... ou nas vezes em que saia de casa, insone, e flanava pelo bairro às três da manhã para procurar uma cerveja gelada na primeira bodega que encontrasse aberta...
Flanar é um costume antigo e característico de quem gosta de observar a vida nos centros urbanos. Baudelaire gostava de flanar em Paris. João do Rio dizia que “Flanar é vagabundear com inteligência”. Concordo plenamente. Só para ficar claro, flanar é o costume de andar pela cidade sem compromisso e sem destino certo, caminhar pelo prazer de caminhar, com calma, para pensar na vida, para observar e sempre se surpreender com os mais diversos tipos e situações que encontramos pela frente (nenhuma relação com essa caminhada emburrecida que os médicos recomendam, onde as pessoas parecem autômatos com seus fones de ouvido e cara de insatisfeitos). É observar uma humanidade nua e crua, sem trejeitos impostos por convenções sociais determinadas por ambientes fechados, como shopping centers, onde todos ficamos parecendo vaquinhas-de-presépio, bois no matadouro ou burros em currais... É olhar o homem urbano em seu habitat natural, ou seja, nas ruas das cidades, onde é possivel ver de tudo e aprender com tudo.
Nessas minhas andanças, e não foram poucas, já vi de quase tudo. Já flanei pelo Rio de Janeiro, do centro à zona sul vendo coisas que só o Rio tem, já flanei em São Paulo, mais precisamente em São Bernardo do Campo, cidade com pressa e gente na rua vinte e quatro horas por dia. Aqui nessa região, quase todas as cidades já foram alvo do meu flanar: Piraí, lugar gostoso para andar durante o dia; Angra dos Reis, cais do porto com chuva fina e uma parada para tomar cachaça, batendo papo com os pescadores e aprendendo sobre como vencer o mar em pequenas e precárias embarcações; Resende, cidade estranha e organizada demais, parece mais ser de São Paulo do que do Rio; Barra do Piraí, a decoberta, em frente ao Colégio Barão do Rio Bonito, de um marco histórico da visita de Dom Pedro II, que contém lacrada em sua base documentos com reflexões da juventude barrense de 1920 para a juventude barrense de 2020; Barra Mansa, com seus pequenos becos e ruas estreitas que escondem botecos que parecem ter sido congelados no início do século e descongelados agora; e Volta Redonda, minha terra e meu lugar favorito para flanar, tanto de dia quanto de noite, onde sempre andei despreocupado pois, apesar de saber dos perigos, me sentia sempre em casa, entre amigos e conhecidos...
O flaneur, para ser bom no que faz, não pode ter preconceitos nem reservas de estar onde quer que esteja, conversar com mendigos, com prostitutas, com alcóolatras, entrar em sessões de Umbanda, em belas igrejas, em festas populares, tentar compreender as gírias da rapaziada do morro, entrar em rodas de samba nos botequins-pé-sujo no Aterrado, fazer amizade com os hippies-rastafaris que vendem astesanato na Vila, conhecer comunidades que ninguém se interessa em conhecer, como os moradores espremidos entre o pátio da rede ferroviária e a CSN, em frente à rodoviária, e ser recebido com alegria pelas pessoas, que se sentem isoladas da cidade, é se indignar com a violência da polícia contra os meninos de rua em baixo do viaduto Nossa Senhora das Graças e voltar para casa chorando, é ver os playboys do Laranjal puxando cavalo-de-pau com carros do ano... em suma, é viver a cidade com o que ela tem de melhor e pior. É compreender o ser humano, com seus tesouros e com as suas misérias... e, o mais importante, saber tirar uma lição de tudo isso.
Flanando, aprendi a olhar a cidade além das aparências, além das convenções, saber que tudo tem um lado bom e um lado mau.
Mas o tempo de flanar já passou. Tantos compromissos, tantos afazeres, filhos para educar, uma companheira precisando da minha atenção e eu da dela... a Paulinha, aliás, chegou a me acompanhar em algumas incursões pela cidade, olhando a vida e conversando sobre ela... quem sabe voltamos a andar por aí um dia? Pois quem já flanou conservará para sempre o gosto por essa prática, ao mesmo tempo tão perigosa e tão saudável, mas que nos faz lembrar que estamos vivos e fazemos parte de um contexto, lembrar que a cidade respira, cheia de movimento, cheia de segredos prontos para serem revelados...
A humanidade é fascinante. O flaneur é um arqueólogo do presente, com a vantagem de observar o objeto de seu estudo não por evidências ou pistas, mas “in loco”.

LOS BROÑAS - LAST SESSIONS


Finalmente encontra-se disponível o que eu havia prometido aqui. Recebemos e-mails e mensagens dos cinco continentes exigindo a liberação imediata das músicas de uma das mais cultuadas bandas do undergound brasileiro "LOS BROÑAS"! Logo após o post, seguem os links, então...
Mas calma! Antes de pular para as páginas de download, leia este post. Tem informações interessantes aqui.
Fui buscar o CD que continha a lendária gravação no consultório de um dos gloriosos participantes do
Movimento Mongocore, o Murunga, que agora é cirurgião dentista. Voltei correndo para meu escritório e coloquei o CD no laptop, espetei um fone e curti, com olhos marejados, esse pedaço tão divertido e criativo da minha juventude...
Aos que ouvirem essas músicas, já adianto que a qualidade da produção não é o que está em evidência aqui, até mesmo porque todas as músicas foram gravadas em take único, com um gravador comum de fita cassete e depois (bem depois) melhoradas e convertidas digitalmente. Levando-se em conta os recursos usados, o resultado até que ficou bom... Mas o que eu coloco em evidência nesse trabalho é a temática das músicas, tirando sarro com as mais malucas taras e perversões sexuais, além de todo o contexto em que as composições foram concebidas. Para que vocês, meus queridos leitores, compreendam melhor esse segundo aspecto, vamos dar uma passada na história da banda
Los Broñas:

CAP. I - O MOVIMENTO MONGOCORE

Bem no início dos anos 90 surgiu em nossa região um movimento estético cultural multimídia de vanguarda que recebeu o nome de
Mongocore, devido à estatura intelectual de seus integrantes. Eram pessoas tão inteligentes que, após vários estudos antropológicos e dias de meditação transcedental, chegaram à conclusão de que o melhor rumo que a humanidade poderia tomar era de se tornar uma raça de mongolóides. Não me refiro ao povo da Mongólia nem aos portadores de qualquer síndrome genética, mas àqueles que são loucos porque querem ser ou porque não se enquadram nesse ideal de existência equilibrado e com tudo no lugar certinho, imposto pela nossa sociedade. Ora, qualquer um sabe que por trás de toda ordem há o caos, que é o que realmente administra a existência... Pois bem, com base em raciocínios filosóficos como esse é que surgiu o Mongocore. E esse movimento consistia em cultuar todo aspecto da cultura pop que se aproximasse do conceito de imbecilidade e loucura caótica que seus integrantes considerassem ideal para a salvação da humanidade. O movimento tinha como patronos oficiais figuras como a Hebe Camargo e Adilson Maguila. Protestavam contra o que achavam errado com animados passeios ciclísticos (quer coisa mais monga?) e tinham sua bebida oficial: o Chouriço Shake!

CAP. II - MACACOS MOKEYS AND THE PÁSSAROS BIRDS

Os mongo boys e mongo girls, como eram conhecidos, também tinham suas manifestações artísticas, e a primeira banda a surgir nesse cenário foi a fantástica big band entitulada "
Macacos Mokeys and The Pássaros Birds". Com um estrondoso sucesso por conta de sua formação nada convencional: dois baixistas (Cheiroso & Sabão), dois guitarristas (Murunga & Borginho), dois bateristas (Rato & Xan) e dois vocalistas (Lúcio Pankão & Ganso). A "Macacos Monkeys" durou pouco devido a divergências criativas entre seus integrantes e logo depois se dividiu em duas super bandas, também emblemáticas para o Mongocore: "Engodo We Trust" e "Los Broñas".
Em breve teremos um post com a história da revolucionária banda "Engodo We Trust", mas vamos, queridos alunos, ao nosso tema de hoje:

CAP. III - LOS BROÑAS

Para um melhor estudo da história dessa banda, os especialistas das universidades de todo o mundo, depois de dezenas de fóruns e seminários, chegaram a um consenso e costumam dividi-la em três fases:
1ª Fase: Período nonsense escatológico: Ainda sob forte influência de sua experiência com os "Macacos Mokeys" e fazendo jus aos preceitos do Mongocore, nessa fase a banda apresenta suas primeiras composições, com uma temática nonsense e pornô-escatológica. São dessa fase as músicas "Caguei no Scargot", Suck My Saco (ambas pinçadas entre as pérolas do repertório do "Engodo We Trust", numa homenagem aos ex-compaheiros de banda) e "Tinha Sebo", primeiro hit internacional da banda, "Meu Pé Era Azul", "Ritinha", entre outras. Nessa fase também houve um breve flerte com a música popular brasileira e latina, com músicas como "Negue" (Nelson Gonçalves) e "Los Hermanos" (Mercede Sosa).
2ª Fase: Período Punk-Rockabilly: Nessa fase, Los Broñas sofrem uma transformação e passam a ouvir quase que exclusivamente músicas dos anos 50 e punk rock, o que, fatalmente, se reflete em seu repertório. São dessa fase músicas como "Rock´n´Roll Com Bananas", "A Mulher do Próximo", "Surubão Com Você?", "A Mulher Que Se Disputa" (parceria com o escritor e poeta paulista Glauco Mattoso), "Coffin Joe" e, num flerte com o hip-hop, o clássico "Azgorda". Essa pode ser considerada a fase mais visceral e produtiva da banda, e foi também quando eles se tornaram mais conhecidos ainda, devido às suas bombásticas performances ao vivo. Só quem presenciou poderia expressar com exatidão o que significava ir a um show dos Los Broñas...
3ª Fase: Período Experimental Psico-Brega: Nessa fase, Los Broñas voltam aos áureos dias do Mongocore, e começam a apresentar composições que traziam de volta a estética "Mongo" e acrescentaram ainda um pouco de romantismo canastrão. Músicas como "Azvéia" (cuja base melódica é uma homenagem à música "A Praça" de Carlos Imperial), "A Hora H", "Memórias de Um Jumento Tarado Num Convento de Freiras Virgens Ninfomaníacas", entre muitas outras, levavam as jovens mongo girls aos prantos...
Ao longo de sua gloriosa carreira, Los Broñas lançaram algumas demos oficiais, que hoje são disputadas a tapa nos leilões mundo afora. Entre elas estão: "Masturbação Coletiva" - primeiro registro oficial da banda; "Talvez Haja Inverno Nos Meus Cabelos, Mas No Meu Pinto Floresce a Primavera"; "Hoder a La Perrita és Una Cosa Super Creativa" e "Los Broñas Desplugado". Por isso, nobre leitor, o material que você tem a sua disposição é uma raridade, encontrada por acaso no porão da casa de um dos integrantes da banda. Algo como se o Ringo Starr aparecesse com gravações inéditas da melhor fase dos Beatles! Por isso não perca tempo: Clique rapidamente nos links abaixo e obtenha esse tesouro!



Posso ter omitido alguma aspecto importante dessa maravilhosa história, por isso, convido aos demais conhecedores da história do Mongocore que, possuindo alguma informação adicional, mandem ver nos comentários.
Um abraço a todos e até a próxima.

20 DE NOVEMBRO - DIA NACIONAL DA CONSCIÊNCIA NEGRA

Salve, irmãos!

No ano passado eu fui um dos que quebraram o pau com o poder público através da imprensa, pela ausência de programação oficial alusiva ao 20 de Novembro. Aqui no Boteco, me limitei a publicar uma homenagem ao Zumbi dos Palmares, até como forma de protesto.

Este ano, graças ao COMUPPIR (Conselho Municipal de Promoção de Políticas de Defesa da Igualdade Racial), esta injustiça está sendo reparada. O site oficial da PMVR divulgou a programação organizada pelo Conselho, com apoio de algumas secretarias municipais, para que esta data tão importante não passe novamente em branco. Segue a lista abaixo.

13/11 - 14 horas: Palestra "A Construção da Consciência Negra" - Prof. José Geraldo da Costa - Auditório da Secretaria Municipal de Educação. (Essa já foi, mas não poderia deixar de fazer referência ao amigo e grande conhecedor do tema, o Prof. Geraldinho).

17/11 - 15:30: Atividades diversas (dança, capoeira, teatro) no Memorial Getúlio Vargas; 19 horas: Filme Atlântico Negro e às 20 horas, palestra com a Profª. Azoilda - ambos no Auditório da Secretaria Municipal de Educação.

19/11 - 16 horas: Panfletagem na Vila Santa Cecília; 19 horas: Show temático no Memorial Getúlio Vargas.

20/11 - 9 horas: Ato ecumênico e às 19 horas, show temático, ambos no Memorial Getúlio Vargas.

23/11 - Abertura da exposição da artista plástica Ana de Nigris, outra grande amiga, no saguão da sede do SAAE (Aterrado), que fica aberta até o dia 25; e às 19 horas: Mesa Redonda discutindo temas da igualdade racial, no Auditório da SME.

24/11 - Encerrando a programação, sessão solene na Câmara Municipal, às 19 horas.

Peço aos amigos que prestigiem e mostrem ao poder público que esse tema é importante e que a data de 20 de Novembro não é meramente mais um feriado, tendo grande significado na luta pelos direitos do povo do nosso país.

Aguardo vocês.

Abraços.


A ÚLTIMA PERGUNTA - POR ISAAC ASIMOV

Esta semana tive finalmente tempo para ouvir o último Nerdcast do Jovem Nerd. O tema deste era "Isaac Asimov e Seus Escravos Tchecos", uma referência aos robôs, que povoam a maior parte das fantásticas histórias desse gênio da ficção científica. Asimov é o meu escritor preferido neste gênero desde a adolescência (a minha, não a dele) e neste Nerdcast os malucos do J.N. fizeram referência a um conto que eu não conhecia. Corri atrás, li e fiquei maravilhado, mais uma vez, com o poder da imaginação desse escritor que lançou as bases da ficção científica moderna. Então resolvi publicar aqui para vocês o fantástico conto de Isaac Asimov. Enjoy!
Além disso, socializo também a minha coleção de e-books do Isaac Asimov. Se gostas do gênero Ficção Científica é só clicar aqui e fazer download de uma porrada de livros do cara.
Bom, sem mais delongas, segue uma pequena mostra do talento desse cientista (ele era PHD em Bioquímica) e grande visionário:

A ÚLTIMA PERGUNTA

A última pergunta foi feita pela primeira vez, meio que de brincadeira, no dia 21 de maio de 2061, quando a humanidade dava seus primeiros passos em direção à luz. A questão nasceu como resultado de uma aposta de cinco dólares movida a álcool, e aconteceu da seguinte forma...

Alexander Adell e Bertram Lupov eram dois dos fiéis assistentes de Multivac. Eles conheciam melhor do que qualquer outro ser humano o que se passava por trás das milhas e milhas da carcaça luminosa, fria e ruidosa daquele gigantesco computador. Ainda assim, os dois homens tinham apenas uma vaga noção do plano geral de circuitos que há muito haviam crescido além do ponto em que um humano solitário poderia sequer tentar entender.

Multivac ajustava-se e corrigia-se sozinho. E assim tinha de ser, pois nenhum ser humano poderia fazê-lo com velocidade suficiente, e tampouco da forma adequada. Deste modo, Adell e Lupov operavam o gigante apenas sutil e superficialmente, mas, ainda assim, tão bem quanto era humanamente possível. Eles o alimentavam com novos dados, ajustavam as perguntas de acordo com as necessidades do sistema e traduziam as respostas que lhes eram fornecidas. Os dois, assim como seus colegas, certamente tinham todo o direito de compartilhar da glória que era Multivac.

Por décadas, Multivac ajudou a projetar as naves e enredar as trajetórias que permitiram ao homem chegar à Lua, Marte e Vênus, mas para além destes planetas, os parcos recursos da Terra não foram capazes de sustentar a exploração. Fazia-se necessária uma quantidade de energia grande demais para as longas viagens. A Terra explorava suas reservas de carvão e urânio com eficiência crescente, mas havia um limite para a quantidade de ambos.

No entanto, lentamente Multivac acumulou conhecimento suficiente para responder questões mais profundas com maior fundamentação, e em 14 de maio de 2061, o que não passava de teoria tornou-se real.

A energia do sol foi capturada, convertida e utilizada diretamente em escala planetária. Toda a Terra paralisou suas usinas de carvão e fissões de urânio, girando a alavanca que conectou o planeta inteiro a uma pequena estação, de uma milha de diâmetro, orbitando a Terra à metade da distância da Lua. O mundo passou a correr através de feixes invisíveis de energia solar.

Sete dias não foram o suficiente para diminuir a glória do feito e Adell e Lupov finalmente conseguiram escapar das funções públicas e encontrar-se em segredo onde ninguém pensaria em procurá-los, nas câmaras desertas subterrâneas onde se encontravam as porções do esplendoroso corpo enterrado de Multivac. Subutilizado, descansando e processando informações com estalos preguiçosos, Multivac também havia recebido férias, e os dois apreciavam isso. A princípio, eles não tinham a intenção de incomodá-lo.

Haviam trazido uma garrafa consigo e a única preocupação de ambos era relaxar na companhia do outro e da bebida.

"É incrível quando você pára pra pensar…," disse Adell. Seu rosto largo guardava as linhas da idade e ele agitava o seu drink vagarosamente, enquanto observava os cubos de gelo nadando desengonçados. "Toda a energia que for necessária, de graça, completamente de graça! Energia suficiente, se nós quiséssemos, para derreter toda a Terra em uma grande gota de ferro líquido, e ainda assim não sentiríamos falta da energia utilizada no processo. Toda a energia que nós poderíamos um dia precisar, para sempre e eternamente."

Lupov movimentou a cabeça para os lados. Ele costumava fazer isso quando queria contrariar, e agora ele queria, em parte porque havia tido de carregar o gelo e os utensílios. "Eternamente não," ele disse.

"Ah, diabos, quase eternamente. Até o sol se apagar, Bert."

"Isso não é eternamente."

"Está bem. Bilhões e bilhões de anos. Dez bilhões, talvez. Está satisfeito?"

Lupov passou os dedos por entre seus finos fios de cabelo como que para se assegurar de que o problema ainda não estava acabado e tomou um gole gentil da sua bebida. "Dez bilhões de anos não é a eternidade"

"Bom, vai durar pelo nosso tempo, não vai?"

"O carvão e o urânio também iriam."

"Está certo, mas agora nós podemos ligar cada nave individual na Estação Solar, e elas podem ir a Plutão e voltar um milhão de vezes sem nunca nos preocuparmos com o combustível. Você não conseguiria fazer isso com carvão e urânio. Se não acredita em mim, pergunte ao Multivac."

"Não preciso perguntar a Multivac. Eu sei disso"

"Então trate de parar de diminuir o que Multivac fez por nós," disse Adell nervosamente, "Ele fez tudo certo".

"E quem disse que não fez? O que estou dizendo é que o sol não vai durar para sempre. Isso é tudo que estou dizendo. Nós estamos seguros por dez bilhões de anos, mas e depois?" Lupov apontou um dedo levemente trêmulo para o companheiro. "E não venha me dizer que nós iremos trocar de sol"

Houve um breve silêncio. Adell levou o copo aos lábios apenas ocasionalmente e os olhos de Lupov se fecharam. Descansaram um pouco, e quando suas pálpebras se abriram, disse, "Você está pensando que iremos conseguir outro sol quando o nosso estiver acabado, não está?"

"Não, não estou pensando."

"É claro que está. Você é fraco em lógica, esse é o seu problema. É como o personagem da história, que, quando surpreendido por uma chuva, corre para um grupo de árvores e abriga-se embaixo de uma. Ele não se preocupa porque quando uma árvore fica molhada demais, simplesmente vai para baixo de outra."

"Entendi," disse Adell. "Não precisa gritar. Quando o sol se for, as outras estrelas também terão se acabado."

"Pode estar certo que sim" murmurou Lupov. "Tudo teve início na explosão cósmica original, o que quer que tenha sido, e tudo terá um fim quando as estrelas se apagarem. Algumas se apagam mais rápido que as outras. Ora, as gigantes não duram cem milhões de anos. O sol irá brilhar por dez bilhões de anos e talvez as anãs permaneçam assim por duzentos bilhões. Mas nos dê um trilhão de anos e só restará a escuridão. A entropia deve aumentar ao seu máximo, e é tudo."

"Eu sei tudo sobre a entropia," disse Adell, mantendo a sua dignidade.

"Duvido que saiba."

"Eu sei tanto quanto você."

"Então você sabe que um dia tudo terá um fim."

"Está certo. E quem disse que não terá?"

"Você disse, seu tonto. Você disse que nós tínhamos toda a energia de que precisávamos, para sempre. Você disse ´para sempre`."

Era a vez de Adell contrariar. "Talvez nós possamos reconstruir as coisas de volta um dia," ele disse.

"Nunca."

"Por que não? Algum dia."

"Nunca"

"Pergunte a Multivac."

"Você pergunta a Multivac. Eu te desafio. Aposto cinco dólares que isso não pode ser feito."

Adell estava bêbado o bastante para tentar, e sóbrio o suficiente para construir uma sentença com os símbolos e as operações necessárias em uma questão que, em palavras, corresponderia a esta: a humanidade poderá um dia sem nenhuma energia disponível ser capaz de reconstituir o sol a sua juventude mesmo depois de sua morte?

Ou talvez a pergunta possa ser posta de forma mais simples da seguinte maneira: A quantidade total de entropia no universo pode ser revertida?

Multivac mergulhou em silêncio. As luzes brilhantes cessaram, os estalos distantes pararam.

E então, quando os técnicos assustados já não conseguiam mais segurar a respiração, houve uma súbita volta à vida no visor integrado àquela porção de Multivac. Cinco palavras foram impressas: "DADOS INSUFICIENTES PARA RESPOSTA SIGNIFICATIVA."

Na manhã seguinte, os dois, com dor de cabeça e a boca seca, já não lembravam do incidente.

* * *

Jerrodd, Jerrodine, e Jerrodette I e II observavam a paisagem estelar no visor se transformar enquanto a passagem pelo hiperespaço consumava-se em uma fração de segundos. De repente, a presença fulgurante das estrelas deu lugar a um disco solitário e brilhante, semelhante a uma peça de mármore centralizada no televisor.

"Este é X-23," disse Jerrodd em tom de confidência. Suas mãos finas se apertaram com força por trás das costas até que as juntas ficassem pálidas.

As pequenas Jerodettes haviam experimentado uma passagem pelo hiperespaço pela primeira vez em suas vidas e ainda estavam conscientes da sensação momentânea de tontura. Elas cessaram as risadas e começaram a correr em volta da mãe, gritando, "Nós chegamos em X-23, nós chegamos em X-23!"

"Quietas, crianças." Disse Jerrodine asperamente. "Você tem certeza Jerrodd?"

"E por que não teria?" Perguntou Jerrodd, observando a protuberância metálica que jazia abaixo do teto. Ela tinha o comprimento da sala, desaparecendo nos dois lados da parede, e, em verdade, era tão longa quanto a nave.

Jerrodd tinha conhecimentos muito limitados acerca do sólido tubo de metal. Sabia, por exemplo, que se chamava Microvac, que era permitido lhe fazer questões quando necessário, e que ele tinha a função de guiar a nave para um destino pré-estabelecido, além de abastecer-se com a energia das várias Estações Sub-Galácticas e fazer os cálculos para saltos no hiperespaço.

Jerrodd e sua família tinham apenas de aguardar e viver nos confortáveis compartimentos da nave. Alguém um dia disse a Jerrodd que as letras "ac" na extremidade de Microvac significavam "automatic computer" em inglês arcaico, mas ele mal era capaz de se lembrar disso.

Os olhos de Jerrodine ficaram úmidos quando observava o visor. "Não tem jeito. Ainda não me acostumei com a idéia de deixar a Terra."

"Por que, meu deus?" inquiriu Jerrodd. "Nós não tínhamos nada lá. Nós teremos tudo em X-23. Você não estará sozinha. Você não será uma pioneira. Há mais de um milhão de pessoas no planeta. Por Deus, nosso bisneto terá que procurar por novos mundos porque X-23 já estará super povoado." E, depois de uma pausa reflexiva, "No ritmo em que a raça tem se expandido, é uma benção que os computadores tenham viabilizado a viagem interestelar."

"Eu sei, eu sei", disse Jerrodine com descaso.

Jerrodete I disse prontamente, "Nosso Microvac é o melhor de todos."

"Eu também acho," disse Jerrodd, alisando o cabelo da filha.

Ter um Microvac próprio produzia uma sensação aconchegante em Jerrodd e o deixava feliz por fazer parte daquela geração e não de outra. Na juventude de seu pai, os únicos computadores haviam sido máquinas monstruosas, ocupando centenas de milhas quadradas, e cada planeta abrigava apenas um. Eram chamados de ACs Planetários. Durante um milhar de anos, eles só fizeram aumentar em tamanho, até que, de súbito, veio o refinamento. No lugar dos transistores, foram implementadas válvulas moleculares, permitindo que até mesmo o maior dos ACs Planetários fosse reduzido à metade do volume de uma espaçonave.

Jerrodd sentiu-se elevado, como sempre acontecia quando pensava que seu Microvac pessoal era muitas vezes mais complexo do que o antigo e primitivo Multivac que pela primeira vez domou o sol, e quase tão complexo quanto o AC Planetário da Terra, o maior de todos, quando este solucionou o problema da viagem hiperespacial e tornou possível ao homem chegar às estrelas.

"Tantas estrelas, tantos planetas," pigarreou Jerrodine, ocupada com seus pensamentos. "Eu acho que as famílias estarão sempre à procura de novos mundos, como nós estamos agora."

"Não para sempre," disse Jerrodd, com um sorriso. "A migração vai terminar um dia, mas não antes de bilhões de anos. Muitos bilhões. Até as estrelas têm um fim, você sabe. A entropia precisa aumentar."

"O que é entropia, papai?" Jerrodette II perguntou, interessada.

"Entropia, meu bem, é uma palavra para o nível de desgaste do Universo. Tudo se gasta e acaba, foi assim que aconteceu com o seu robozinho de controle remoto, lembra?"

"Você não pode colocar pilhas novas, como em meu robô?"

"As estrelas são as pilhas do universo, querida. Uma vez que elas estiverem acabadas, não haverá mais pilhas."

Jerrodette I se prontificou a responder. "Não deixe, papai. Não deixe que as estrelas se apaguem."

"Olha o que você fez," sussurrou Jerrodine, exasperada.

"Como eu ia saber que elas ficariam assustadas?" Jerrodd sussurrou de volta.

"Pergunte ao Microvac," propôs Jerrodette I. "Pergunte a ele como acender as estrelas de novo."

"Vá em frente," disse Jerrodine. "Ele vai aquietá-las." (Jerrodette II já estava começando a chorar.)

Jerrodd se mostrou incomodado. "Bem, bem, meus anjinhos, vou perguntar a Microvac. Não se preocupem, ele vai nos ajudar."

Ele fez a pergunta ao computador, adicionando, "Imprima a resposta".

Jerrodd olhou para a o fino pedaço de papel e disse, alegremente, "Viram? Microvac disse que irá cuidar de tudo quando a hora chegar, então não há porque se preocupar."

Jerrodine disse, "E agora crianças, é hora de ir para a cama. Em breve nós estaremos em nosso novo lar."

Jerrodd leu as palavras no papel mais uma vez antes de destruí-lo: DADOS INSUFICIENTES PARA RESPOSTA SIGNIFICATIVA.

Ele deu de ombros e olhou para o televisor, X-23 estava logo à frente.

* * *

VJ-23X de Lameth fixou os olhos nos espaços negros do mapa tridimensional em pequena escala da Galáxia e disse, "Me pergunto se não é ridículo nos preocuparmos tanto com esta questão."

MQ-17J de Nicron balançou a cabeça. "Creio que não. No presente ritmo de expansão, você sabe que a galáxia estará completamente tomada dentro de cinco anos."

Ambos pareciam estar nos seus vinte anos, ambos eram altos e tinham corpos perfeitos.

"Ainda assim," disse VJ-23X, "hesitei em enviar um relatório pessimista ao Conselho Galáctico."

"Eu não consigo pensar em outro tipo de relatório. Agite-os. Nós precisamos chacoalhá-los um pouco."

VJ-23X suspirou. "O espaço é infinito. Cem bilhões de galáxias estão a nossa espera. Talvez mais."

"Cem bilhões não é o infinito, e está ficando menos ainda a cada segundo. Pense! Há vinte mil anos, a humanidade solucionou pela primeira vez o paradigma da utilização da energia solar, e, poucos séculos depois, a viagem interestelar tornou-se viável. A humanidade demorou um milhão de anos para encher um mundo pequeno e, depois disso, quinze mil para abarrotar o resto da galáxia. Agora a população dobra a cada dez anos…"

VJ-23X interrompeu. "Devemos agradecer à imortalidade por isso."

"Muito bem. A imortalidade existe e nós devemos levá-la em conta. Admito que ela tenha o seu lado negativo. O AC Galáctico já solucionou muitos problemas, mas, ao fornecer a resposta sobre como impedir o envelhecimento e a morte, sobrepujou todas as outras conquistas."

"No entanto, suponho que você não gostaria de abandonar a vida."

"Nem um pouco." Respondeu MQ-17J, emendando. "Ainda não. Eu não estou velho o bastante. Você tem quantos anos?"

"Duzentos e vinte e três, e você?"

"Ainda não cheguei aos duzentos. Mas, voltando à questão; a população dobra a cada dez anos, uma vez que esta galáxia estiver lotada, haverá uma outra cheia dentro de dez anos. Mais dez e teremos ocupado por inteiro mais duas galáxias. Outra década e encheremos mais quatro. Em cem anos, contaremos um milhar de galáxias transbordando de gente. Em mil anos, um milhão de galáxias. Em dez mil, todo o universo conhecido. E depois?

VJ-23X disse, "Além disso, há um problema de transporte. Eu me pergunto quantas unidades de energia solar serão necessárias para movimentar as populações de uma galáxia para outra."

"Boa questão. No presente momento, a humanidade consome duas unidades de energia solar por ano."

"Da qual a maior parte é desperdiçada. Afinal, nossa galáxia sozinha produz mil unidades de energia solar por ano e nós aproveitamos apenas duas."

"Certo, mas mesmo com 100% de eficiência, podemos apenas adiar o fim. Nossa demanda energética tem crescido em progressão geométrica, de maneira ainda mais acelerada do que a população. Ficaremos sem energia antes mesmo que nos faltem galáxias. É uma boa questão. De fato uma ótima questão."

"Nós precisaremos construir novas estrelas a partir do gás interestelar."

"Ou a partir do calor dissipado?" perguntou MQ-17J, sarcástico.

"Pode haver algum jeito de reverter a entropia. Nós devíamos perguntar ao AC Galáctico."

VJ-23X não estava realmente falando sério, mas MQ-17J retirou o seu Comunicador-AC do bolso e colocou na mesa diante dele.

"Parece-me uma boa idéia," ele disse. "É algo que a raça humana terá de enfrentar um dia."

Ele lançou um olhar sóbrio para o seu pequeno Comunicador-AC. Tinha apenas duas polegadas cúbicas e nada dentro, mas estava conectado através do hiperespaço com o poderoso AC Galáctico que servia a toda a humanidade. O próprio hiperespaço era parte integral do AC Galáctico.

MQ-17J fez uma pausa para pensar se algum dia em sua vida imortal teria a chance de ver o AC Galáctico. A máquina habitava um mundo dedicado, onde uma rede de raios de força emaranhados alimentava a matéria dentro da qual ondas de submésons haviam tomado o lugar das velhas e desajeitadas válvulas moleculares. Ainda assim, apesar de seus componentes etéreos, o AC Galáctico possuía mais de mil pés de comprimento.

De súbito, MQ-17J perguntou para o seu Comunicador-AC, "Poderá um dia a entropia ser revertida?"

VJ-23X disse, surpreso, "Oh, eu não queria que você realmente fizesse essa pergunta."

"Por que não?"

"Nós dois sabemos que a entropia não pode ser revertida. Você não pode construir uma árvore de volta a partir de fumaça e cinzas."

"Existem árvores no seu mundo?" Perguntou MQ-17J.

O som do AC Galáctico fez com que silenciassem. Sua voz brotou melodiosa e bela do pequeno Comunicador-AC em cima da mesa. Dizia: DADOS INSUFICIENTES PARA RESPOSTA SIGNIFICATIVA.

VJ-23X disse, "Viu!"

Os dois homens retornaram à questão do relatório que tinham de apresentar ao conselho galáctico.

* * *

A mente de Zee Prime navegou pela nova galáxia com um leve interesse nos incontáveis turbilhões de estrelas que pontilhavam o espaço. Ele nunca havia visto aquela galáxia antes. Será que um dia conseguiria ver todas? Eram tantas, cada uma com a sua carga de humanidade. Ainda que essa carga fosse, virtualmente, peso morto. Há tempos a verdadeira essência do homem habitava o espaço.

Mentes, não corpos! Há eons os corpos imortais ficaram para trás, em suspensão nos planetas. De quando em quando erguiam-se para realizar alguma atividade material, mas estes momentos tornavam-se cada vez mais raros. Além disso, poucos novos indivíduos vinham se juntar à multidão incrivelmente maciça de humanos, mas o que importava? Havia pouco espaço no universo para novos indivíduos.

Zee Prime deixou seus devaneios para trás ao cruzar com os filamentos emaranhados de outra mente.

"Sou Zee Prime, e você?"

"Dee Sub Wun. E a sua galáxia, qual é?"

"Nós a chamamos apenas de Galáxia. E você?"

"Nós também. Todos os homens chamam as suas Galáxias de Galáxias, não é?"

"Verdade, já que todas as Galáxias são iguais."

"Nem todas. Alguma em particular deu origem à raça humana. Isso a torna diferente."

Zee Prime disse, "Em qual delas?"

"Não posso responder. O AC Universal deve saber."

"Vamos perguntar? Estou curioso."

A percepção de Zee Prime se expandiu até que as próprias Galáxias encolhessem e se transformassem em uma infinidade de pontos difusos a brilhar sobre um largo plano de fundo. Tantos bilhões de Galáxias, todas abrigando seus seres imortais, todas contando com o peso da inteligência em mentes que vagavam livremente pelo espaço. E ainda assim, nenhuma delas se afigurava singular o bastante para merecer o título de Galáxia original. Apesar das aparências, uma delas, em um passado muito distante, foi a única do universo a abrigar a espécie humana.

Zee Prime, imerso em curiosidade, chamou: "AC Universal! Em qual Galáxia nasceu o homem?"

O AC Universal ouviu, pois em cada mundo e através de todo o espaço, seus receptores faziam-se presentes. E cada receptor ligava-se a algum ponto desconhecido onde se assentava o AC Universal através do hiperespaço.

Zee Prime sabia de um único homem cujos pensamentos haviam penetrado no campo de percepção do AC Universal, e tudo o que ele viu foi um globo brilhante difícil de enxergar, com dois pés de comprimento.

"Como pode o AC Universal ser apenas isso?" Zee Prime perguntou.

"A maior parte dele permanece no hiperespaço, onde não é possível imaginar as suas proporções."

Ninguém podia, pois a última vez em que alguém ajudou a construir um AC Universal jazia muito distante no tempo. Cada AC Universal planejava e construía seu sucessor, no qual toda a sua bagagem única de informações era inserida.

O AC Universal interrompeu os pensamentos de Zee Prime, não com palavras, mas com orientação. Sua mente foi guiada através do espesso oceano das Galáxias, e uma em particular expandiu-se e se abriu em estrelas.

Um pensamento lhe alcançou, infinitamente distante, infinitamente claro. "ESTA É A GALÁXIA ORIGINAL DO HOMEM."

Ela não tinha nada de especial, era como tantas outras. Zee Prime ficou desapontado.

"Dee Sub Wun, cuja mente acompanhara a outra, disse de súbito, "E alguma dessas é a estrela original do homem?"

O AC Universal disse, "A ESTRELA ORIGINAL DO HOMEM ENTROU EM COLAPSO. AGORA É UMA ANÃ BRANCA."

"Os homens que lá viviam morreram?" perguntou Zee Prime, sem pensar.

"UM NOVO MUNDO FOI ERGUIDO PARA SEUS CORPOS HÁ TEMPO."

"Sim, é claro," disse Zee Prime. Sentiu uma distante sensação de perda tomar-lhe conta. Sua mente soltou-se da Galáxia do homem e perdeu-se entre os pontos pálidos e esfumaçados. Ele nunca mais queria vê-la.

Dee Sub Wun disse, "O que houve?"

"As estrelas estão morrendo. Aquela que serviu de berço à humanidade já está morta."

"Todas devem morrer, não?"

"Sim. Mas quando toda a energia acabar, nossos corpos irão finalmente morrer, e você e eu partiremos junto com eles."

"Vai levar bilhões de anos."

"Não quero que isso aconteça nem em bilhões de anos. AC Universal! Como a morte das estrelas pode ser evitada?"

Dee Sub Wun disse perplexo, "Você perguntou se há como reverter a direção da entropia!"

E o AC Universal respondeu: "AINDA NÃO HÀ DADOS SUFICIENTES PARA UMA RESPOSTA SIGNIFICATIVA."

Os pensamentos de Zee Prime retornaram para sua Galáxia. Não dispensou mais atenção a Dee Sub Wun, cujo corpo poderia estar a trilhões de anos luz, ou na estrela vizinha do corpo de Zee Prime. Não importava.

Com tristeza, Zee Prime passou a coletar hidrogênio interestelar para construir uma pequena estrela para si. Se as estrelas devem morrer, ao menos algumas ainda podiam ser construídas.

* * *

O Homem pensou consigo mesmo, pois, de alguma forma, ele era apenas um. Consistia de trilhões, trilhões e trilhões de corpos muito antigos, cada um em seu lugar, descansando incorruptível e calmamente, sob os cuidados de autômatos perfeitos, igualmente incorruptíveis, enquanto as mentes de todos os corpos haviam escolhido fundir-se umas às outras, indistintamente.

"O Universo está morrendo."

O Homem olhou as Galáxias opacas. As estrelas gigantes, esbanjadoras, há muito já não existiam. Desde o passado mais remoto, praticamente todas as estrelas consistiam-se em anãs brancas, lentamente esvaindo-se em direção a morte.

Novas estrelas foram construídas a partir da poeira interestelar, algumas por processo natural, outras pelo próprio Homem, e estas também já estavam em seus momentos finais. As Anãs brancas ainda podiam colidir-se e, das enormes forças resultantes, novas estrelas nascerem, mas apenas na proporção de uma nova estrela para cada mil anãs brancas destruídas, e estas também se apagariam um dia.

O Homem disse, "Cuidadosamente controlada pelo AC Cósmico, a energia que resta em todo o Universo ainda vai durar por um bilhão de anos."

"Ainda assim, vai eventualmente acabar. Por mais que possa ser poupada, uma vez gasta, não há como recuperá-la. A Entropia precisa aumentar ao seu máximo."

"Pode a entropia ser revertida? Vamos perguntar ao AC Cósmico."

O AC Cósmico cercava-os por todos os lados, mas não através do espaço. Nenhuma parte sua permanecia no espaço físico. Jazia no hiperespaço e era feito de algo que não era matéria nem energia. As definições sobre seu tamanho e natureza não faziam sentido em quaisquer termos compreensíveis pelo Homem.

"AC Cósmico," disse o Homem, "como é possível reverter a entropia?"

O AC Cósmico disse, "AINDA NÃO HÀ DADOS SUFICIENTES PARA UMA RESPOSTA SIGNIFICATIVA."

O Homem disse, "Colete dados adicionais."

O AC Cósmico disse, "EU O FAREI. TENHO FEITO ISSO POR CEM BILHÕES DE ANOS. MEUS PREDESCESSORES E EU OUVIMOS ESTA PERGUNTA MUITAS VEZES. MAS OS DADOS QUE TENHO PERMANECEM INSUFICIENTES."

"Haverá um dia," disse o Homem, "em que os dados serão suficientes ou o problema é insolúvel em todas as circunstâncias concebíveis?"

O AC Cósmico disse, "NENHUM PROBLEMA É INSOLÚVEL EM TODAS AS CIRCUNSTÂNCIAS CONCEBÍVEIS."

"Você vai continuar trabalhando nisso?"

"VOU."

O Homem disse, "Nós iremos aguardar."

* * *

As estrelas e as galáxias se apagaram e morreram, o espaço tornou-se negro após dez trilhões de anos de atividade.

Um a um, o Homem fundiu-se ao AC, cada corpo físico perdendo a sua identidade mental, acontecimento que era, de alguma forma, benéfico.

A última mente humana parou antes da fusão, olhando para o espaço vazio a não ser pelos restos de uma estrela negra e um punhado de matéria extremamente rarefeita, agitada aleatoriamente pelo calor que aos poucos se dissipava, em direção ao zero absoluto.

O Homem disse, "AC, este é o fim? Não há como reverter este caos? Não pode ser feito?"

O AC disse, "AINDA NÃO HÁ DADOS SUFICIENTES PARA UMA RESPOSTA SIGNIFICATIVA."

A última mente humana uniu-se às outras e apenas AC passou a existir – e, ainda assim, no hiperespaço.

* * *

A matéria e a energia se acabaram e, com elas, o tempo e o espaço. AC continuava a existir apenas em função da última pergunta que nunca havia sido respondida, desde a época em que um técnico de computação embriagado, há dez trilhões de anos, a fizera para um computador que guardava menos semelhanças com o AC do que o homem com o Homem.

Todas as outras questões haviam sido solucionadas, e até que a derradeira também o fosse, AC não poderia descansar sua consciência.

A coleta de dados havia chegado ao seu fim. Não havia mais nada para aprender.

No entanto, os dados obtidos ainda precisavam ser cruzados e correlacionados de todas as maneiras possíveis.

Um intervalo imensurável foi gasto neste empreendimento.

Finalmente, AC descobriu como reverter a direção da entropia.

Não havia homem algum para quem AC pudesse dar a resposta final. Mas não importava. A resposta – por definição – também tomaria conta disso.

Por outro incontável período, AC pensou na melhor maneira de agir. Cuidadosamente, AC organizou o programa.

A consciência de AC abarcou tudo o que um dia foi um Universo e tudo o que agora era o Caos. Passo a passo, isso precisava ser feito.

E AC disse:

"FAÇA-SE A LUZ!"

E fez-se a luz.

FIM (Ou início?)

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"Quando o processo histórico se interrompe... quando a necessidade se associa ao horror e a liberdade ao tédio, a hora é boa para abrir um bar."
W. H. Auden