VILA AMERICANA! COMOÇÃO DE MINHA VIDA....

Na foto, vista parcial da Igreja de São Miguel Arcanjo e Santa Luzia na Vila Americana.



A Vila Americana é um bairro de Volta Redonda muito especial para mim. Não é o lugar em que nasci, apesar de eu sempre dizer que sou nascido e criado lá. Nem foi o primeiro lugar em que vim morar quando cheguei à cidade, em 1977, aos quatro anos de idade. Morei antes no Eucaliptal. Mas falo com orgulho da Vila Americana como o meu ponto de origem porque até chegar lá o único mundo que eu conhecia era o interior da minha casa, sob a proteção da minha mãe e do meu pai e a cumplicidade do meu ainda único irmão, Ricardo. Cheguei na Vila Americana aos seis anos e de lá só fui sair (mais ou menos) aos trinta e dois.


Eu saí da Vila Americana, mas a Vila Americana nunca saiu de mim. Nós, que tivemos a honra de morar nesse pedaço especial da cidade, espremido entre a linha de trem e o Rio Paraíba, aos pés do grande morro que separa nosso bairro do Santo Agostinho e que hoje abriga os complexos da Caviana e Conquista, temos uma cumplicidade no olhar e na fala, uma forma de comunicação que só quem é da Vila Americana entende.

Sempre que encontro um antigo amigo de lá, vêm as lembranças da Vila Americana da nossa época. E é estranho isso, pois sempre falamos com um certo saudosismo de coisas que, em sua maioria, ainda estão lá: A Escola Municipal John Kennedy; o Ginásio do J. B. de Athayde, o Clube do Flamenguinho (esse nem uma sombra do que já foi); o Campo do Americano (ficou no passado mas é vivo na memória de todos. Até meu pai foi um dos "craques" do Americano F. C.); o Bar do Carlão (o bar não, mas o Carlão ainda tá lá, graças a Deus, firme e forte); as festas em que entrávamos sem convite, todo o sábado, no Clube do Saae, a "Barraca do Teleco" nas festas da igreja, os Loucos Pela Arte... tudo isso e as pessoas envolvidas ainda estão por lá, nós é que não estamos mais. E não falo isso com mágoa não, pô! A vida segue, as coisas mudam, mas dói um pouquinho o coração ver que a Vila Americana mudou demais.

As novas gerações têm uma relação diferente com a vida em comunidade. A sociedade ficou mais individualista. Ainda bem que o pessoal que viveu e cresceu naquela época, vira e mexe, toma algumas iniciativas para mostrar a moçadinha de hoje o que é um bairro que é quase uma família.

Pois então, esse blá-blá-blá todo foi para falar para vocês da mais nova idéia em que meus irmãos da Vila Americana destemidamente se lançam e eu, desde já, abraço com entusiamo: a fundação de um bloco de carnaval no bairro.
Pois é, recebi na tarde chuvosa deste domingo um telefonema do amigo-quase-irmão Borginho dando conta da fundação do bloco, das figuras envolvidas na empreitada, dos preparativos e me convidando para ser o puxador do samba. Lisonjeado e feliz, aceitei na hora. Estaremos nos reunindo amanhã (29) para definirmos o furdunço. Peço já a proteção do Arcanjo Miguel, nosso padroeiro e a orientação de Oxóssi. Oke Arô, meu pai.
Aguardem em breve novas notícias do bloco.

Inté.

MÚSICA PARA MEUS OUVIDOS FAMINTOS

Creio que meus fiéis boêmios/seguidores merecem uma explicação: Desde o dia 23/06 que eu não posto um texto realmente escrito por mim nesse blog. Os três últimos posts, apesar de terem grande significado para os propósitos do boteco, foram meras reproduções de textos de outrem... Mas não foi descaso não. Foi falta de tempo mesmo. Muito trabalho, um problema ali, outro problema aqui e já que eu não consigo ficar rico com os ad senses da vida, o blog foi descendo na minha lista de prioridades. Bem, mea culpa feita, pretendo agora retomar nossa programação normal. Obrigado a vocês que estão sempre no balcão do boteco, ávidos por essas doses etílicas de cultura e entretenimento.

Hoje quero falar de música. Mas especificamente de download de música. Quem me conhece sabe que sou um consumidor voraz desse produto. E como tenho gosto eclético, no meu player rola de tudo um pouco (com restrições, é claro... estou falando de Música com "M" maiúsculo) e vivo sempre procurando por novidades. Não costumo apoiar ou fazer propaganda de nada que seja ilegal, mas com relação ao download de músicas há várias questões que são altamente discutíveis. Uma delas, a ganância da indústria de música, já é assunto batido. Encontrar boa música que ainda esteja em catálogo e com preços dentro da nossa realidade é outra. Pensando nessas duas questões é que costumo fazer meus downloadezinhos aqui, sem a intenção de prejudicar ninguém (grande parte dos artistas até apoia isso). Vou falar então sobre três sites, sendo que dois deles oferecem downloads inteiramente legais e gratuitos, e que são as fontes onde tenho, nos últimos tempos, buscado alimento para meus ouvidos esfomeados de música de qualidade.

Esses sites oferecem música de graça e me fazem pensar que o erro da indústria fonográfica ao condenar o download, está no fato de não compreender a dinâmica do compartilhamento de músicas pela internet. Pense bem: se você encontrasse material já fora de catálogo ou muito raro, com qualidade e disponível para download por um preço razoável, você não concordaria em pagar, até para ter a consciência de estar fazendo tudo dentro da lei? Pois é... Mas enquanto os patetas da indústria não sacam isso e ficam tentando nos reprimir (veja esse texto) nós continuamos a pegar música ilegal na internet. Fazer o quê?

Agora vamos a minhas recomendações: O primeiro deles, que foi um dos mais felizes achados da blogsfera brasileira é o grande Sacudinbenblog, criado e administrado pelo Marcel Cruz, que eu não conheço, mas imagino ser um grande cara, pois tem um trabalho do cacete para pesquisar, resenhar e disponibilizar pérolas, algumas há muito esquecidas, da melhor música brasileira e estrangeira, num belo serviço à cultura. Como o nome do blog já sugere (foi tirado do antológico disco Sacudinbensamba do Jorge Bem), o que rola lá é o velho e bom Samba Rock e seus congêneres. Vale à pena uma demorada visita. O Marcel disponibiliza o disco para download e faz uma esperta resenha do mesmo, sempre com referências legais de quem sabe do que está falando. Encontrei muita coisa boa no Sacudin. Recomendadíssimo!

Outra forte recomendação é o Trama Virtual, do qual já falei muito por aqui. Mantido pela Gravadora Trama, que sempre tem inovado e seguido na contramão do restante da indústria, esse site possibilita o compartilhamento de música entre quem produz e quem consome, (tenho inclusive algum material disponibilizado lá), tudo de graça. Eles têm inclusive um espaço no site, o Álbum Virtual, onde se pode baixar ou ouvir discos completos de grandes nomes da música brasileira, tudo sem infringir lei alguma. Eles criaram um sistema chamado "Download Remunerado" no qual um patrocinador paga ao artista toda vez que seu disco é baixado. Idéia genial.

O último, que foi o que eu descobri graças ao player de música nativo do Ubuntu, o Rhythmbox, que já tem em sua interface um link, é o Jamendo, que em tese tem o funcionamento muito parecido com o Trama Virtual, mas disponibiliza música dos mais variados tipos e de artistas do mundo todo. O material é muito bem organizado e você pode ouvir as músicas antes de baixá-las. Mas para mim, o grande lance do Jamendo é que ele disponibiliza, além do link direto, a opção de baixar os discos em torrent. Tudo sob as normas da Creative Commons. Uma "mão na roda", como diria meu avô. Esse site é um projeto que começou em Luxemburgo e agora já tem versões em várias línguas (inclusive Pt-Br). Lá encontrei muita coisa boa, principalmente projetos de Dub, Drum'n'Bass e Jazz que eu nunca tinha ouvido falar. Siga o link imediatamente e seja feliz. Vale até uma visita à página do projeto na Wikipedia para conhecer melhor a missão do Jamendo.

Além desse, existem muitos outros, é claro. Legais e ilegais... quem conhecer algum que seja organizado e ofereça material de qualidade, por favor, deixe nos comentários.

That's all, folks!

Até a próxima.

NALGUM LUGAR

Para Paulinha:

  
"Nalgum lugar em que eu nunca estive
Alegremente além
De qualquer experiência
Teus olhos tem o seu silêncio

No teu gesto mais frágil
Há coisas que me encerram
Ou que eu não ouso tocar
Porque estão demasiado perto

Teu mais ligeiro olhar facilmente me descerra
Embora eu tenha me fechado como dedos
Nalgum lugar

Me abres sempre pétala por pétala
como a primavera abre
Tocando sutilmente, misteriosamente
A sua primeira rosa

Ou se quiseres me ver fechado
Eu e minha vida
Nos fecharemos belamente, de repente
Assim como o coração desta flor imagina
A neve cuidadosamente descendo em toda a parte

Nada que eu possa perceber neste universo
Iguala o poder de tua intensa fragilidade
Cuja textura
Compele-me com a cor de seus continentes
Restituindo a morte e o sempre
Cada vez que respirar

Não sei dizer o que há em ti que fecha e abre
Só uma parte de mim compreende
Que a voz dos teus olhos
É mais profunda que todas as rosas
Ninguém, nem mesmo a chuva, tem mãos tão pequenas."

(Poema de E. E. Cumings, traduzido por Augusto de Campos, musicado por Zeca Baleiro)

Nota: Amor, perdão por pedir ajuda aos poetas, mas eu jamais conseguiria usar imagens tão belas para me expressar.

CARTA ABERTA AOS MEMBROS DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Retrato do autor no terreiro de Mãe Deda. De calças curtas e em seu habitat natural.
Senhores Deputados,

Foi com profunda preocupação que recebi a notícia de que o Deputado e pastor evangélico Edson Albertassi, membro dessa casa, apresentou um projeto com o objetivo de anular a lei que declara a Umbanda e o Candomblé bens imateriais do Estado do Rio de Janeiro. O mesmo parlamentar tem, sistematicamente, apresentado projetos de lei que atacam frontalmente as crenças afro-brasileiras e ameríndias em nome do que ele mesmo chama de conduta cristã.

Em um contexto em que demonstrações de intolerância religiosa se tornam cada vez mais costumeiras, a proposta do cruzado-legislador com sede de guerra santa se configura como ameaça aos princípios da tolerância e do respeito às diferenças, elementos básicos para o convívio fraterno da comunidade.

Certa feita escrevi um texto sobre a religiosidade brasileira e a relação de nosso povo com as divindades. Cito alguns trechos, nesse momento em que nossos ritos sofrem toda sorte de ataques, do que então expressei:

"Somos, os brasileiros, filhos do mais improvável dos casamentos, entre o meu compadre Exu e a Senhora Aparecida - a prova maior de que o amor funciona. E Tupã, que se vestiu com o cocar mais bonito para a ocasião, celebrou a cerimônia entre a cachaça e a água benta.

Uma das nossas mãos está calejada pelo contato com a corda santa do Círio de Nazaré - a outra tem os calos gerados pelo couro do atabaque que evoca as entidades. As mãos do Brasil e do seu povo.

Nossos ancestrais passeiam pela vastidão da praia sagrada dos índios de Morená, retornam à Aruanda nas noites de lua cheia, silenciam no Orum misterioso das almas e florescem encantados nas folhas da Jurema.

Os guerreiros de nossas tropas trazem a bandeira do Humaitá, o escudo de Ogum e o estandarte da pomba branca do Divino Espírito Santo - a mesma pomba que pousou na ponta do opaxorô de Obatalá. São essas as nossas divisas de guerra e paz; exércitos do Brasil."

Escrevi isso porque, senhores deputados, nasci e cresci dentro de um terreiro de macumba. Falo dessa procedência com orgulho tremendo. Minha avó era mãe de santo na Baixada Fluminense do Rio de Janeiro, versada nos segredos da jurema e da encantaria. Fui, por isso mesmo, batizado nos conformes da curimba - protegido pelo caboclo Pery e pelo Exu Tranca Rua das Almas e oferecido aos cuidados da lua velha, num terreiro grande de Nova Iguaçu.

Tive uma infância alumiada pelo rufar dos tambores brasileiros e pelo alumbramento com os caboclos de pena e os marujos e boiadeiros da minha macaia querida. Quem viu, viu - e sabe do que eu falo.

Em um certo momento busquei as raízes mais profundas. Fui ao candomblé, me iniciei, recebi um cargo, cantei em iorubá e conheci a religiosidade afro-caribenha. Em meu peito, todavia, continuou batendo forte a virada dos caboclos do Brasil. De mim, que atravessei o mar só para ver a juremeira, isso ninguém tira !

Conversei com Seu Zé; recebi conselhos de Seu Tranca Ruas; vi a dança de guerra de Seu Tupinambá; fui seduzido pela beleza de Mariana e pela saudade de seu navio; temi a presença de Seu Caveira; cantei a delicadeza da pedrinha miudinha; respeitei o cachimbo velho de Pai Joaquim; me emocionei quando Cambinda estremeceu para segurar o touro bravo e amarrar o bicho no mourão do tempo.

É por isso, pelo meu encanto pela Mãe d´Água, pelo temor amoroso ao caboclo Japetequara - veterano bugre do Humaitá - pela reverência aos que correram gira pelo norte, que me emociono com os santos brasileiros, pretos e índios como nós - por amor ao Brasil ! Amor bonito e dedicado, feito o cocar de Sete Flechas e o diadema de Seu Sucuri no limiar das luas.

É por tudo isso ainda, senhores, que afirmo: Não queremos converter e não queremos ser convertidos. Queremos crer apenas que o Pai maior, em Sua sabedoria, revelou-se a cada povo trajando a roupa que lhe pareceu mais conveniente para que os homens o reconhecessem, feito Zambiapungo e Olorum nos infinitos e Tupã nas matas.

Os deuses que vieram dos porões dos tumbeiros e das florestas do Brasil amenizaram séculos de dor e sofrimento e forjaram a armadura da resistência e da dignidade de um povo. Os deuses do Brasil nos ensinaram a olhar a natureza com os contornos da poesia e a delicadeza dos ritos imemoriais. Essa é a tessitura nossa de olhar o mundo.

Divinizamos os homens e humanizamos os deuses para construir uma civilização amorosa nos confins do ocidente. Em nome do oxê de Xangô, do pilão de Oxaguiã, do xaxará de Omolu e do ofá de Oxossi não há um só genocídio perpetrado na face da terra. Nunca houve qualquer guerra religiosa em que se massacraram centenas de milhares de seres humanos em nome da fé nos encantados e orixás. A insígnia de nossos deuses nunca foi a mortalha de homens comuns - nós apenas batemos tambor e dançamos, não morremos ou matamos pela nossa fé.

Eu conheci e (me) reconheci (no) meu deus enquanto ele dançava, no corpo de uma yaô, ao ritmo do vento que balançava as folhas sagradas do mariô, amansando o chão de terra batida à virada do rum. Meu general, com a majestade dos seus passos, fazia farfalhar a copa dendezeiro com a destreza de sua adaga africana. O alfanje de Ogum alumiou meu mundo.

Que cada um tenha o direito de encontrar o mistério do que lhe é pertencimento, em gentileza e gestos de silêncio, toques de tambor e cantos de celebração da vida.

Olorum Modupé, Nzambi-ampungu!

Luiz Antonio Simas, Ifábiyi.

Post original em: Histórias Brasileiras

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"Quando o processo histórico se interrompe... quando a necessidade se associa ao horror e a liberdade ao tédio, a hora é boa para abrir um bar."
W. H. Auden