A TRAGÉDIA E A COMÉDIA BRASILEIRA


Ontem, numa noite insone, fiquei acompanhando a programação da Rede Globo. Só consigo assistir à Globo ou qualquer outro canal após às 22 horas, que é quando o nível de bobagem já diminuiu um pouco. Desta vez  fui surpreendido por um programa que nunca tinha visto, o tal "Profissão Reporter", que é comandado pelo Caco Barcellos. É um programa jornalístico onde o experiente reporter da Globo comanda uma equipe de três profissionais recém formados que vão atrás da notícia na hora em que ela acontece, no melhor estilo "Aqui & Agora", mas com uma profundidade jornalística bem superior. Ontem o programa mostrou o "lado B" da tragédia das chuvas no Rio de Janeiro e Niterói, com o drama da busca pelos corpos nos escombros dos desabamentos e a luta das famílias no IML para a liberação dos mesmos. Como sempre, os serviços públicos, nesse caso, defesa civil e o corpo de bombeiros, mostraram os dois lados da moeda: despreparo e dedicação no atendimento às vítimas.
O tom da reportagem, apesar de mostrar cenas muito fortes e emocionantes, ficou longe do sensacionalismo. Em dado momento a jovem reporter fotográfica até disse que teve que desligar a câmera, em respeito ao sofrimento das pessoas. Louvável.
Diante de tanto sofrimento, lembrei muito das cenas do terremoto do Haiti. Como sofre esse povo, é explorado, humilhado, abandonado e agora nem tem mais onde morar.
Mas não podemos esquecer que estamos na Rede Globo e logo depois do "Profissão Reporter" vem o Jornal da Globo. E a primeira notícia, que parece até que a Cristiane Pelajo leu em tom jocoso, dava conta de que naquela edição nós conheceríamos "a nova classe-média brasileira, cheia de vontade de comprar!" Apertei "off" no controle remoto na hora e vi que tinha entendido a função do programa anterior: apenas uma vitrine, para que a classe média, a nova ou a que já está aí explorando a gente há séculos, pudesse ver  de perto o sofrimento dos míseros mortais, mantendo-se uma distância segura, como num passeio ao zoológico.
Seria uma comédia, se não fosse uma tragédia. Parabéns Rede Globo.

4 comentários:

CS Empreendimentos Digitais 14 de abril de 2010 às 15:50  

Realmente o Profissão Repórter é um excelente programa. Pena que esse em especial não consegui assistir inteiro, dormi na metade... rs...
Acho que nunca estaremos livres do "nível de bobagem" afinal, o grande público - sim, aquele que assiste e vota em BBB - é quem manda. Nós somos apenas a minoria, então temos que nos lembrar aquela canção do Raul:
"Se o rádio não toca a música que vc quer ouvir,
Não procure dançar ao som daquela antiga valsa.
É muito simples:
É só mudar de estação
É só girar o botão..."

(no caso, trocar de canal).

Ótima postagem.
Abçs
Cintia

Underson 14 de abril de 2010 às 23:41  

Cintia, obrigado pelo comentário.
O que me incomodou no caso foi o aparente desdém do programa seguinte com o sofrimento mostrado no anterior. Era como se apresentadora estivesse dizendo: "Morreu, morreu, antes eles do que eu! A vida continua."
Pode ser coisa de quem tá ficando velho e chato, mas que me chateou, chateou.
Abraço. Volte Sempre.

À propósito, Cris, querida amiga, bem vinda à confraria! Aguardo seus comentários...

Anônimo 15 de abril de 2010 às 10:34  

Vamos crer na humanidade...não foi prosposital o enfoque do programa seguinte...foi um infeliz acaso percebido apenas por pessoas com o seu poder de sensibilização...Prefiro acreditar e vibrar pelo enfoque dado pelo primeiro programa...que estes meninos e meninas que por ora começam sua jornada , mantenham-se respeitosos e profissinais... Mesmo assim fica aqui o meu orgulho pela sua sensibilidade...e por seu texto que como sempre é brilhante...
Claro que palavra de bob esponja...rs..nao vale...rs..
Beijos ...te amo...Paulinha

Underson 24 de abril de 2010 às 21:43  

Você não é Bob Esponja, não, amor. Só tem uma visão otimista das coisas. Talvez, como falei ai em cima, eu esteja ficando velho e chato. Obrigado, mais uma vez, pelo elogio ao texto. Seus comentários são muito importantes para mim. Talvez os mais importantes. Beijo.

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W. H. Auden