CAPITALISMO E ESCRAVIDÃO


Interessante a forma como as pessoas expressam sua opinião sobre os textos aqui do boteco. Elas vêm falar comigo, em vez de postar seus comentários no blog. Será timidez? Eu sempre digo: “Coloca isso lá nos comentários, pra gente iniciar um debate...”. Alguns escrevem, e me deixam muito feliz. Deixo claro, aliás, que não quero receber só elogios aqui. Caso tenham opinião, seja ela qual for, por favor, expressem-na. A casa é de vocês. Um cara que fez isso muito bem é o Fábio, do “Palavra Náufraga”. Ele achou que o comentário ficaria muito grande aqui e fez um post no blog dele abordando o mesmo tema do meu. Fiquei honrado. Valeu Fabão!

Mas o que me motivou a escrever sobre os comentários foi a opinião de algumas pessoas sobre o último post “Futuro Primitivo”, a respeito do livro de John Zerzan. Vieram me dizer que a teoria exposta no livro (sem ter lido o mesmo) é esdrúxula e absurda: “Como poderíamos viver como homens da caverna?” Tudo bem... o papai explica. John Zerzan não é para ser levado ao pé da letra (ou é?) quando ele fala sobre a sociedade que a humanidade criou nesse planeta. Ele diz, basicamente, que podemos viver sem as coisas ruins que a sociedade criou, sem necessariamente abrirmos mão das coisas boas. Isto seria, abolir a exploração da natureza e do homem pelo homem. Alguém aí pensou em capitalismo? Pois acertou! O capitalismo é um sistema economico baseado na exploração. Vamos dar uma olhada na história do capitalismo, sem considerar o saque, a escravidão e o genocídio imposto aos povos autoctones nos primeiros anos da colonização das Américas, África e Ásia pelos demais países europeus, vamos nos focar na Inglaterra e observemos como o capitalismo tem sua origem diretamente ligada, entre outros crimes, ao tráfico de escravos. Abaixo segue um trecho do livro “As Veias Abertas da América Latina” do escritor uruguaio Eduardo Galeano, publicado no início da década de 70. Leitura recomendadíssima para qualquer um que queira entender a conjuntura política e econômica mundial.

“Por volta de 1562, o capitão John Hawkins tinha arrancado 3OO negros de contrabando da Guiné portuguesa. A rainha Elizabete ficou furiosa: "Esta aventura - sentenciou - clama vingança ao céu." Porém, Hawkins contou-lhe que no Caribe havia obtido em troca dos escravos, um carregamento de açúcar e peles, pérolas e gengibre. A rainha perdoou o pirata e converteu-se em sócia comercial dele. Um século depois, o duque de York marcava a ferro quente suas iniciais, DY, sobre a nádega esquerda ou o peito dos três mil negros que sua empresa conduzia anualmente para "as ilhas do açúcar". A Real Companhia Africana, entre cujos acionistas figurava o rei Carlos II, dava 3OO% de dividendos, apesar de que, dos 70 mil escravos que embarcaram entre 168O e 1688, só 46 mil sobrevivessem à travessia. Durante a viagem, numerosos africanos morriam vítimas de epidemias ou desnutrição, ou se suicidavam negando-se a comer, enforcando-se com suas correntes ou lançando-se pela borda ao oceano eriçado por barbatanas de tubarões. Lenta porém firmemente, a Inglaterra ia quebrando a hegemonia holandesa no tráfico negreiro. A South Sea Company foi a principal usufrutuária do "direito de asiento" concedido aos ingleses pela Espanha, e nela estavam envolvidos os mais proeminentes personagens da política e das finanças britânicas: o negócio, brilhante como nenhum outro, enlouqueceu a bolsa de valores de Londres e deflagrou uma especulação legendária.

O transporte de escravos elevou Bristol, sede dos estaleiros, à categoria de segunda cidade da Inglaterra, e converteu Liverpool no maior porto do mundo. Partiam os navios com seus porões carregados de armas, tecidos e rum abençoados, quinquilharias e vidros de cores, que seriam o meio de pagamento em troca da mercadoria humana da África. Os ingleses impunham seu reinado sobre os mares. Em fins do século XVIII, África e o Caribe davam trabalho a 18O mil operários têxteis em Manchester; de Sheffield vinham os punhais e de Birmingham, 15O mil mosquetões por ano. Os caciques africanos recebiam as mercadorias da indústria britânica e entregavam os carregamentos de escravos aos capitães negreiros. Dispunham, assim, de novas armas e abundante aguardente para empreender as próximas caçadas nas aldeias. Também proporcionavam marfins, ceras e azeite de palmeira. Muitos dos escravos provinham da selva e nunca tinham visto o mar; confundiam os rugidos do oceano com os de alguns monstros submergidos que os esperavam para devorá-los ou, segundo o testemunho de um traficante da época, acreditavam, e de certo modo não se equivocavam, que "iam ser levados como carneiros ao matadouro, sendo sua carne muito apreciada pelos europeus." De muito pouco serviam os chicotes de sete pontas para conter o desespero suicida dos africanos.

Os "fardos" que sobreviviam à fome, às doenças e ao amontoamento da travessia, eram recebidos em farrapos, pura pele e ossos, na praça pública, depois de desfilarem pelas ruas coloniais ao som das gaitas. Os que chegavam ao Caribe demasiado exaustos podia-se engordá-los nos depósitos antes de exibi-los aos olhos dos compradores; os enfermos deixava-se morrer nos cais. Os escravos eram vendidos em troca de dinheiro em espécie ou promissórias de três anos de prazo. Os barcos zarpavam de regresso a Liverpool levando diversos produtos tropicais: em princípios do século XVIII, as três quartas partes do algodão fiado pela indústria têxtil inglesa provinham das Antilhas, embora logo Georgia e Louisiania se tornassem as principais fontes de abastecimento; em meados do século, havia 12O refinarias de açúcar na Inglaterra.

Um inglês podia viver, naquela época, com seis libras por ano; os mercadores de escravos de Liverpool somavam lucros anuais de mais de 1.1OO mil libras, contando exclusivamente o dinheiro obtido no Caribe e sem agregar os benefícios do comércio adicional. Dez grandes empresas controlavam um novo sistema de molhes; cada vez se construíam mais navios, maiores e de maior calado. Os ourives ofereciam "brincos e colares de prata para negros e cachorros", as damas elegantes mostravam-se em público acompanhadas de um macaco vestido de colete bordado e um menino escravo, com turbante e bombachas de seda. Um economista escreveu por esta época: o comércio de escravos é "o princípio básico e fundamental de todo o resto; como o principal impulso da máquina que põe em movimento cada roda da engrenagem (isto é, o capitalismo nascente [n. do Ganso])". Os bancos se propagam em Liverpool e Manchester, Bristol, Londres e Glasgow; a empresa de seguros Lloyd’s acumulava lucros segurando escravos, navios e plantações. Desde muito cedo, os anúncios da London Gazette indicavam que os escravos fugidos deviam ser devolvidos ao Lloyd:"s. Com fundos do comércio negro construiu-se a grande ferrovia inglesa do oeste e nasceram indústrias, como as fábricas de louças de Gales. O capital acumulado no comércio triangular - manufaturas, escravos, açúcar – tornou possível a invenção da máquina a vapor: James Watt foi subvencionado por mercadores que haviam feito assim suas fortunas. Eric Williams afirma-o em sua documentada obra sobre o tema.

Em princípios do século XIX, a Grã Bretanha converteu-se na principal impulsionadora da campanha antiescravista. A indústria inglesa já necessitava de mercados internacionais com maior poder aquisitivo, o que obrigava a propagação do regime de salários. Ademais, ao estabelecer-se o salário nas colônias inglesas do Caribe, o açúcar brasileiro, produzido com mão-de-obra escrava, recuperava vantagens por seus baixos custos comparativos. A Armada britânica lançava-se ao assalto dos navios negreiros, mas o tráfico continuava crescendo para abastecer Cuba e Brasil. Antes que os botes ingleses chegassem aos navios piratas, os escravos eram lançados ao mar: dentro só se encontrava o odor, as caldeiras quentes e um capitão que morria de rir. A repressão ao tráfico elevou os preços e aumentou os lucros enormemente. Em meados do século, os traficantes entregavam um fuzil velho por cada escravo vigoroso arrancado da África, para logo vendê-lo por mais de 6OO dólares em Cuba.”

Triste, não? Obeserva-se bem que o capitalismo, desde seu início, já mostrou a que veio: o êxito de alguns depende sempre da tragédia de outros. É assim até hoje. E dessa forma foi se definindo quem seriam os países desenvolvidos e quem seriam os subdesenvolvidos de hoje em dia. No capitalismo, o negócio sempre é feito entre exploradores e explorados (outra grande fonte de informações sobre o assunto é a série “Capetalismo” de um dos meus blogs preferidos, o Nerds Somos Nozes).
O que John Zerzan questiona nos seus escritos é se não poderíamos viver sem isso. Sem essa necessidade de agirmos sempre como predadores e presas. Um tipo de reflexão fundamental principalmente agora, em que algumas pessoas começam a atingir um nível de consciência mais elevado, o que me deixa com esperanças de um futuro diferente.
É isso aí. Acho que respondi ao que me questionaram. Peço que novos questinamentos sejam postados nos comentários, afinal, blog é pra isso, para interagir. O que eu fazia antes, nas mesas dos botecos discutindo política, música, história, religião, futebol e o escambau, agora faço aqui, no meu boteco virtual, com a vantagem de não ter que ouvir sermão da D. Maria quando chegar em casa...

Abraço a todos.

FUTURO PRIMITIVO - JOHN ZERZAN


Saudações, membros dessa nobre confraria!

Hoje vou compartilhar com vocês minhas opiniões sobre o último livro que li: Futuro Primitivo, de John Zerzan, um dos mais conhecidos autores anarquistas, considerado, ao lado de Daniel Quinn (do qual falaremos em breve), um dos expoentes da corrente de pensamento conhecida como “Primitivismo”.
John Zerzan (nascido em 1943) se destaca na segunda metade da década de 1980 enquanto filosofo e escritor de aspirações primitivistas. Seus trabalhos focam a civilização e sua inerente opressividade, defendendo formas inspiradas no modo de vida das sociedades humanas pré-históricas como modelos de sociedades plenas de liberdade. Algumas de suas críticas mais desafiadoras se estendem ao processo da domesticação, à linguagem, ao pensamento simbólico (como a matemática e a arte) e à conceituação de tempo. Seus escritos mais conhecidos são "Elementos da Rejeição" (1988), "Futuro Primitivo" (1994), "Contra a Civilização: Um Leitor" (1998) e "Correndo no Vazio" (2002).

Em "Futuro Primitivo", John Zerzan limita-se a apresentar bases científicas para seu argumento de que a invenção da agricultura e posteriormente, da civilização, foram os erros cruciais que afastaram a humanidade da sua harmonia com a natureza e nos trouxeram ao atual estado de deterioração do meio ambiente, desigualdade, alienação e concentração de poder. O autor analisa várias pesquisas feitas por arqueólogos e antropólogos (citando a fonte da cada uma), estas últimas, realizadas junto às populações remanescentes dos chamados “caçadores-coletores” em diversas partes do mundo.

Não se trata de nenhuma utopia delirante ou ingênua, como pode parecer a primeira vista, pois John Zerzan defende seus argumentos com fatos incontestáveis. É no mínimo um exercíco interessante imaginar uma vida mais simples e, portanto, mais plena, como a dos primeiros seres humanos, há milhões de anos. Como diz o autor em certo trecho: “Definir um mundo desalienado seria impossível, inclusive indesejável, mas podemos e devemos tentar desmascarar o não-mundo de hoje em dia e como chegamos a ele. Temos tomado um caminho monstruosamente errado com a cultura simbólica e a divisão do trabalho, de um lugar de entendimento, encanto, compreensão e totalidade para a ausência que nos encontramos, no coração da doutrina do progresso. Vazia e cada vez mais vazia, a lógica da domesticação, com suas exigências de total dominação, nos mostram a ruína de uma civilização que arruína todo o resto. Presumir a inferioridade da natureza favorece a dominação de sistemas culturais que logo tornarão a Terra um lugar inabitável.
O livro inclui ainda uma entrevista concedida pelo autor ao Coletivo Erva Daninha, onde ele esclarece melhor ao leitor sobre o pensamento primitivista: “O agravamento da situação para a biosfera, a sociedade, e o indivíduo – a crise em todos os níveis – é o mais forte ímpeto para o repensar de tantas velhas suposições triviais e instituições. Divisão do trabalho, domesticação, até mesmo os componentes de nossa cultura simbólica e a própria civilização – tudo isso agora encontra-se com pontos de interrogação. Quando a negação começar a desabar, nós bem que poderemos ver um desafio à ordem existente que fará o movimento dos anos 60 parecer muito superficial e sem graça.

Recomendo a leitura aos frequentadores do Boteco. Estou disponibilizando uma versão em PDF, digitalizada pelo pessoal do saudoso Coletivo Sabotagem (alguém sabe por onde anda essa turma? Os links não funcionam mais...). Para fazer o download é só clicar no link a seguir. E boa leitura!

ALMA PARA A SOUL MUSIC



É interessante a forma como certos artistas chamam a sua atenção, mas você fica um bom tempo a procura de material referente a ele sem encontrar quase nada. A internet e seus 4-shared, pirate bay e outros torrents da vida estão me ajudando a botar em dia muitos assuntos pendentes nesse sentido. Um desses assuntos atende pelo nome de Curtis Mayfield.

Sempre ouvi muita coisa do cara, muitas referências a ele, samplers de suas musicas em diversos discos, de Beast Boys a Snoop Doggy Dogg, passando por Racionais MC's. Além disso, conheço bem o trabalho de outros artistas que foram diretamente influenciados por ele, como Prince, Jamiroquai, Sly & The Family Stone (pra ficar nos mais óbvios). Mas disco do cara mesmo, conhecia só um: "Superfly" (que foi trilha sonora do filme de mesmo nome) e algumas músicas em coletâneas da Gravadora Rhino.

Pois então, fuçando em sites de torrents por aí, eis que me deparo com uma coletânea exclusiva dele, "The Very Best Of Curtis Mayfield", que cobre quase todas as fases de sua brilhante carreira solo, e que foi lançada pela Rhino em 1997, talvez pegando carona no lançamento de seu último álbum "New World Order" no mesmo ano. O músico viria a falecer em 1999.

Se você quer saber mais sobre a biografia do cantor, vá até a página sobre ele na Wikipédia. Aqui falaremos da música.

No panteão dos grandes nomes da Soul Music, muitas vezes esse cantor, produtor, compositor e multi-instrumentista vem sendo renegado. Tipo de injustiça comum no showbizz. Com vinte e três álbuns de estúdio e mais quatro ao vivo, tendo produzido discos de outros artistas do naipe de Aretha Franklin, a qualidade do seu trabalho é inegável.

Além da habilidade como instrumentista, a sensibilidade da sua bela voz e a genialidade das canções (sendo um dos primeiros a abordar temas sociais dos guetos negros norte-americanos), Curtis Mayfield vem influenciando gerações de músicos, ligados à música negra ou não, no mundo todo.

Nesse "The Very Best Of", encontramos o Curtis Mayfield recém saído dos The Impressions, começando em grande estilo sua carreira solo nos anos 70 e o Curtis Mayfield no auge da carreira com "Superfly". Os arranjos precisos (ele sabia fazer bom uso da percussão e do nipe de cordas como ninguém no Soul), as letras engajadas e a voz envolvente que fizeram de Curtis Mayfield um dos artistas negros mais respeitados de todos os tempos estão presentes nessa coletânea.

Pois bem, nobres amigos de botequim, se vocês ainda não conhecem o som desse mestre do Soul de alma iluminada, essa coletânea é um bom começo. Onde baixar? Clique aqui e vá direto ao Pirate Bay, o melhor site de torrents que existe, e divirta-se. E se alguém pegar mais algum disco dele, faça o favor de deixar o link nos comentários.

Valeu e até o próximo post.

EM QUEM NÃO VOTAR


Pois é! 2010 é ano eleitoral. E como sempre, aquele mesmo bando de canalhas que rouba, engana, corrompe e faz o diabo quando está no poder, se converte em singelos anjinhos barrocos, com fala mansa e olhar amigável, prometendo mundos & fundos e pedindo em troca a sua alma o seu voto. Só que comigo não, violão! A gente não está com a bunda exposta na janela!
Pelo menos quem freqüenta nosso boteco vai estar com a lista dos pilantras na palma da mão. É que eu recebi uma lista com os nomes de 155 políticos que estão ligados a processos na justiça ou têm notório envolvimento em falcatruas por aí a fora, ou seja: têm o nome sujo na praça. Pode ser que alguns dos casos nem tenham ido a julgamento ainda e por isso devemos sempre ter em mente a presunção de inocência dos acusados, que é direito constitucional, mas todos os casos foram amplamente divulgados nos meios de comunicação. E se eles puderam divulgar, eu posso aqui relembrar. A memória do povo é curta e sempre tem aqueles canalhas que conseguem ser reeleitos, reforçando em nós o sentimento de impunidade...
A lista está no link abaixo e é um documento colaborativo. Qualquer um pode editar. Portanto, se alguém lembrar de algum nome que não esteja nela, pode incluir lá (mas tem que ser um caso notório, de ampla divulgação nos meios de comunicação, não valem acusações absurdas, tipo "fulano é bicha", "beltrano me passou a perna"... não me compliquem).

Para ver/editar a lista, clique aqui: Em quem não votar em 2010.

E divulguem para os seus amigos e parentes. Não vamos cair no caô desses malandros mais uma vez!

E tenho dito!

Ps. A charge acima é do grande Gilmar Barbosa, um dos maiores cartunistas políticos do Patropi.

UPDATE: Me ocorreu agora que algum dos contemplados da nossa ilustre lista pode, ele mesmo ou algum agregado, acessá-la e apagar de lá a linha correspondente ao seu nome. Se fizer isso, vai perder seu tempo, pois eu tenho o back up, e ainda vai queimar mais ainda seu filme, pois farei questão de falar isso no blog. Vamos lá galera. Vamos fazer crescer esse rol para ver a que número chega até a eleição.

BOSSA NOSTRA


Ninguém quer saber
O gosto do sangue
Mas o vermelho
Ainda é a cor que incita a fome
Depende da hora e da cor
Depende da hora,
Da hora, da cor e do cheiro
Cada cor tem o seu cheiro
Cada hora lança sua dor
E dessa insustentável leveza de ser
Eu gosto mesmo é de vida real
Elevei
Minha alma pra passear
Não me distancio muito de mim
E quando saio não vou longe
fico sempre por perto
Depende da hora e da cor
Depende da hora,
Da hora, da cor e do cheiro
Cada cor tem o seu cheiro
Cada hora lança sua dor
E dessa insustentável leveza de ser
Eu gosto mesmo é de vida real.
(Nação Zumbi - Do disco "Fome de Tudo" - 2007)

EVOLUIR É A NOSSA INSUBORDINAÇÃO


As pessoas não evoluem todas ao mesmo tempo e nas mesmas condições. Isso é fato. Começei a refletir com maior profundidade sobre essa máxima ontem à noite, ao voltar para casa de ônibus, quando vi, embaixo do ponto desativado em frente à entrada principal da CSN, um grupo de pessoas, cerca de cinco homens e três mulheres, uma delas com um bebê com alguns meses de vida. Eram jovens de cerca de 30 anos e a mulher que segurava o bebê era a mais jovem de todas, tinha no máximo 20 anos. As mulheres estavam sentadas em um dos bancos, com o carrinho do bebê parado em frente. Os homens conversavam animadamente bem próximo e dividiam uma garrafa de cachaça. Estavam todos sujos, alguns maltrapilhos. A jovem vestia bermuda e camiseta e trazia a criança enrolada em uma manta amarela. Era uma noite fria, uma garôa bem fina caia, ininterrupta.
Olhei aquela gente, observei bem a criança e lembrei do meu filho, que àquela hora deveria estar aconchegado em sua cama, bem alimentado, assistindo TV a cabo e pensando na brincadeiras que permearam o seu dia. Olhei de novo para o grupo e achei que eles pareciam não uma família, mas um bando. Um coletivo de animais perdidos em ambiente hostil, lutando pela sobrevivência. Estavam eles, em plenos 2010 anos após o nascimento de Cristo, nas mesmas condições que a humanidade estava a 10 mil anos atrás: Reunidos em bando, tentando conseguir alimento, protegendo-se mutuamente e reproduzindo-se.
Como sempre faço diante dessa cenas, comecei a me questionar: O que fazer? Como podemos mudar a situação dessas pessoas?
É bom lembrar que os moradores de rua não são o problema, mas apenas um sintoma de um mal muito maior. Nossa sociedade tem uma doença que não permite que todos tenham acesso ao mesmo grau de evolução que alguns já atingiram. Evolução material, à qual me refiro, mas que na maior parte das vezes vem atrelada à evolução espiritual. Se é dada oportunidade a pessoa de evoluir no seu grau de humanidade, possivelmente ela evoluirá materialmente também. Não significa adquirir bens inúteis, mas poder ter o mínimo para uma existência digna.
Há mais de uma década que trabalho com Educação e aprendi a compreender e respeitar o trabalho de pessoas que são educadores de verdade. Econtrei muitos nessa minha jornada. Profissionais que, a exemplo de figuras como Paulo Freire e Darcy Ribeiro, são educadores por vocação e acreditam na Educação como forma de equalizar as desigualdades sociais, marca indelével das sociedades humanas. Entendamos então o ato de educar como o de tornar possível a evolução do outro. Já não se compreende o processo de ensinar como o de simplesmente transferir informação. Temos cérebros, não hard disks. Todos são capazes de evoluir e cada qual é o principal agente do próprio desenvolvimento. Ao educador cabe apenas instigar, fazer vir à tona aquilo que já está dentro de cada um, ou seja, o poder da reflexão.
Como o próprio Cristo disse, “Vois sois todos deuses”, lembrando o Salmo de Davi (82:6) “Eu disse: sois deuses, sois todos filhos do altíssimo”, como partículas divinas, somos co-criadores e temos o poder de trabalhar a obra de Deus e desenvolvê-la, pois foi permitido ao homem compreender a criação melhor de que qualquer outro ser.
Educar é, portanto, uma missão sagrada. Levar ao homem a luz da verdadeira compreensão é contribuir para a evolução de um semelhante, unica forma de trabalharmos pela nossa própria evolução.
Quiçá um dia não teremos mais imagens de bandos de seres humanos, como animais irracionais, perdidos pelas ruas das cidades, mas todos vivendo como uma única família, entre irmãos, solidarizando-se e respeitando-se, preocupados com a evolução mútua que pode levar a humanidade a um novo patamar. Peço a Deus que zele pelo futuro daquela criança, tão recém chegada e já submetida às agruras da existência nessa sociedade injusta. Que ela encontre carinho e solidariedade e que possa se desenvolver e evoluir além da situação a qual se encontra atualmente.

MEU SANTO TÁ CANSADO


Meu santo tá cansado
Não vou dizer que tenho saldo sobrando
Não tô devendo, mas a vida de homem é assim mesmo
Uma lona de freio aqui
Um motor fazendo um barulho ali
Não vou dizer que não menti
Meu santo tá cansado
Que sou todo direito e sei a hora de ser covarde
Não pude ser tudo o que quis, armei umas e outras
Tomei e dei volta como o drible sem objetivo
Que se perde além da linha lateral
Como drible sem objetivo
Mesmo sem carteira azul, sempre fui trabalhador
Às vezes a gente reza a cartilha e sai de brita
Às vezes a gente corre atrás do finado
Tem jogo que começa acabado
Já jurei, já jurei
Com dedos cruzados, com dedos cruzados
Não tô aqui pra ser herói cuzão
Pra pagar de otário
Não tô aqui pra pagar pau pra fardinha azul
Aqui não tem cabeça baixa, também não tenho pressa
Não sou bebedor de água benta,
Se liga nessa, vai, ajoelha e reza
Meu sangue mais de uma vez subiu
Como o céu azul, meu céu azul de abril
Limpo, lavabo, brilha no céu mais bonito do espaço
Depois das águas de março
Meu santo tá cansado.
(O Rappa)

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"Quando o processo histórico se interrompe... quando a necessidade se associa ao horror e a liberdade ao tédio, a hora é boa para abrir um bar."
W. H. Auden