EVOLUIR É A NOSSA INSUBORDINAÇÃO


As pessoas não evoluem todas ao mesmo tempo e nas mesmas condições. Isso é fato. Começei a refletir com maior profundidade sobre essa máxima ontem à noite, ao voltar para casa de ônibus, quando vi, embaixo do ponto desativado em frente à entrada principal da CSN, um grupo de pessoas, cerca de cinco homens e três mulheres, uma delas com um bebê com alguns meses de vida. Eram jovens de cerca de 30 anos e a mulher que segurava o bebê era a mais jovem de todas, tinha no máximo 20 anos. As mulheres estavam sentadas em um dos bancos, com o carrinho do bebê parado em frente. Os homens conversavam animadamente bem próximo e dividiam uma garrafa de cachaça. Estavam todos sujos, alguns maltrapilhos. A jovem vestia bermuda e camiseta e trazia a criança enrolada em uma manta amarela. Era uma noite fria, uma garôa bem fina caia, ininterrupta.
Olhei aquela gente, observei bem a criança e lembrei do meu filho, que àquela hora deveria estar aconchegado em sua cama, bem alimentado, assistindo TV a cabo e pensando na brincadeiras que permearam o seu dia. Olhei de novo para o grupo e achei que eles pareciam não uma família, mas um bando. Um coletivo de animais perdidos em ambiente hostil, lutando pela sobrevivência. Estavam eles, em plenos 2010 anos após o nascimento de Cristo, nas mesmas condições que a humanidade estava a 10 mil anos atrás: Reunidos em bando, tentando conseguir alimento, protegendo-se mutuamente e reproduzindo-se.
Como sempre faço diante dessa cenas, comecei a me questionar: O que fazer? Como podemos mudar a situação dessas pessoas?
É bom lembrar que os moradores de rua não são o problema, mas apenas um sintoma de um mal muito maior. Nossa sociedade tem uma doença que não permite que todos tenham acesso ao mesmo grau de evolução que alguns já atingiram. Evolução material, à qual me refiro, mas que na maior parte das vezes vem atrelada à evolução espiritual. Se é dada oportunidade a pessoa de evoluir no seu grau de humanidade, possivelmente ela evoluirá materialmente também. Não significa adquirir bens inúteis, mas poder ter o mínimo para uma existência digna.
Há mais de uma década que trabalho com Educação e aprendi a compreender e respeitar o trabalho de pessoas que são educadores de verdade. Econtrei muitos nessa minha jornada. Profissionais que, a exemplo de figuras como Paulo Freire e Darcy Ribeiro, são educadores por vocação e acreditam na Educação como forma de equalizar as desigualdades sociais, marca indelével das sociedades humanas. Entendamos então o ato de educar como o de tornar possível a evolução do outro. Já não se compreende o processo de ensinar como o de simplesmente transferir informação. Temos cérebros, não hard disks. Todos são capazes de evoluir e cada qual é o principal agente do próprio desenvolvimento. Ao educador cabe apenas instigar, fazer vir à tona aquilo que já está dentro de cada um, ou seja, o poder da reflexão.
Como o próprio Cristo disse, “Vois sois todos deuses”, lembrando o Salmo de Davi (82:6) “Eu disse: sois deuses, sois todos filhos do altíssimo”, como partículas divinas, somos co-criadores e temos o poder de trabalhar a obra de Deus e desenvolvê-la, pois foi permitido ao homem compreender a criação melhor de que qualquer outro ser.
Educar é, portanto, uma missão sagrada. Levar ao homem a luz da verdadeira compreensão é contribuir para a evolução de um semelhante, unica forma de trabalharmos pela nossa própria evolução.
Quiçá um dia não teremos mais imagens de bandos de seres humanos, como animais irracionais, perdidos pelas ruas das cidades, mas todos vivendo como uma única família, entre irmãos, solidarizando-se e respeitando-se, preocupados com a evolução mútua que pode levar a humanidade a um novo patamar. Peço a Deus que zele pelo futuro daquela criança, tão recém chegada e já submetida às agruras da existência nessa sociedade injusta. Que ela encontre carinho e solidariedade e que possa se desenvolver e evoluir além da situação a qual se encontra atualmente.

3 comentários:

Ganso 5 de março de 2010 às 14:33  

Excelente texto.

Tenho pena, pelo menos vejo muito em Portugal, que cada vez haja mais jovens, com toda a educação e condições para viverem bem, a deitarem para o lixo todo esse mundo de oportunidades que muitos não têm. Por desleixo, por desmotivação, para orgulhosamente dizerem "não preciso de nada para viver", por drogas, por muitos outros motivos.

PS: Abraço do "Ganso" de Portugal :)

Underson 5 de março de 2010 às 17:16  

Obrigado pelo comentário, Ganso. Você, como um dos primeiros freqüentadores, é sempre muito bem vindo no Boteco. Além de que é muito bom ter a opinião de alguém que vive em outro país, em outro continente e perceber que a humanidade é uma só, para o bem ou para o mal...
Um abraço, irmão. Tenho me divertido muito com seus posts no Ganso Spot. Desculpe quase não deixar comentários.

Do "Ganso" do Brasil

Fábio Elionar 15 de março de 2010 às 11:36  

Ganso, comecei a responder aqui, mas o texto ficou tão grande que resolvi postá-lo no Palavra Náufraga (não é spam, não, é necessidade mesmo). Dá um pulo até lá e, quem sabe, começaremos algo que almejo há muito tempo, uma rede de blogues que se intercomunicam (com espontaneidade, sem pauta e sem obrigação de respostas). Depois nos falamos/clicamos. Abração.

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